Assisti à série de especiais que marcou a despedida da televisão do jornalista Carlos Chagas (1937-2017), exibida pela CNT na virada de 2016 para 2017, em comemoração aos 80 anos que o eloquente tribuno ficou a menos de um mês de completar. A voz cansada, acompanhada dos cabelos e bigodes já embranquecidos, revelavam um agudo decorrer de seus dias, onde o trato diário dos temas nacionais, aqui nas páginas da Tribuna da Internet e dos muitos jornais para onde sua coluna era distribuída, não escondia um certo saudosismo pelos tempos áureos do jornalismo brasileiro que viveu, e dos quais Chagas foi umas das últimas testemunhas oculares.
Conviva de presidentes, em especial da controversa figura do Marechal Costa e Silva, de quem foi jovem assessor de imprensa, Carlos Chagas embarcou na ironia fina de seu texto um saboroso élan de pitonisa, traço daqueles que antecipam o porvir sem deixar de rolar os dados. Em sua última colaboração para a Tribuna, Chagas cantou a pedra do provável refluxo dos ministros-deputados, ou deputados-ministros, dispensáveis ao governo Temer após o decreto de desmonte do Estado Social ocultado sob a pilha de relatórios, emendas e destaques das reformas trabalhista e previdenciária. Ao contrário de Temer e seus comparsas, a quem a História registrará notas de rodapé, o velho jornalista inspirou seguidores por sua visão de Brasil e pela correção com que conduziu, por toda a vida, o trato com a informação.
O QUE DE MELHOR HAVIA – Quem caminhou de braços dados a personalidades como o amigo Ronaldo Costa Couto, um dos últimos convidados de seu programa na CNT, Villas-Bôas Corrêa, Carlos Castello Branco e tantos companheiros de inesquecíveis coberturas como a campanha das Diretas Já, a Constituinte de 88 e as Eleições Presidenciais de 1989, certamente se filiava ao que de melhor havia no cenário intelectual brasileiro na defesa da nossa cultura e de nossas mais saudáveis tradições políticas.
Carlos Chagas foi também correligionário de Leonel Brizola nos tempos pioneiros de consolidação do PDT, casa dos que defendiam o pacto sustentável entre Capital e Trabalho e um projeto autóctone de desenvolvimento nacional, com a resolução dos problemas brasileiros por caminhos devidamente adequados à nossa realidade, descartando os essencialismos, hoje tão em voga, que pretendem implementar no Brasil, complexo como ele é, soluções estrangeiras e impopulares.
AMIGO DE BRIZOLA – Sua militância partidária, ainda que breve, iluminou jovens mentes contemporâneas que transmitem a necessidade de um novo pacto a partir de um projeto nacional para nosso país, sustentado na ética, no amor pelo Brasil e no compromisso com a verdade que sempre pautaram as múltiplas trajetórias do “renascentista” Chagas, acadêmico por 25 anos da Faculdade de Direito da UnB, articulista e militante, cuja obra como autor pode ser exemplificada no magnífico “Resistir é Preciso”, de 1975, um libelo em defesa da democracia.
À família do grande colega, na pessoa da filha Helena – ministra-chefe da Secom durante meus anos de Rádio MEC, exemplo de dignidade como foi o pai – meus mais sinceros sentimentos. Ao velho Chagas, a certeza de que seu legado será sempre passado adiante.
26 de abril de 2017
Lucas Alvares
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