No artigo anterior, mostramos a procedência dos cálculos da Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (ANFIP), denunciando que as contas exibidas pelo governo são manipuladas e só apresentam déficit porque não incluem todas as receitas constitucionais da Previdência Social (art. 195), como Confins, Contribuição Social, Loterias e importação de bens e serviços.
ARMAÇÃO CONTÁBIL – No cálculo do governo só entram as fontes principais de receitas – contribuição do trabalhador e das empresas. Devido a essa armação contábil, o governo não tem como cumprir a exigência do ministro Celso de Mello para que encaminhasse ao Supremo os cálculos que fundamentariam a necessidade de reforma da Previdência Social. Não mandou nem vai mandar.
O fato concreto é que o desmonte da Previdência Social – propositada ou involuntariamente – já vem acontecendo há décadas, com a conivência de Executivo, Legislativo e Judiciário, mediante a suposta modernização e liberalização das leis trabalhistas brasileiras.
ARRECADAÇÃO – É preciso entender que a Previdência tem como fonte principal de receita as contribuições dos trabalhadores (11%) e das empresas (20% sobre a folha salarial, com exceção de programas como o Simples). Ou seja, o que sustenta a arrecadação é justamente o vínculo empregatício, a velha carteira assinada, que hoje está completamente fora de moda e desprestigiada pelos três Poderes da República, ardorosos defensores da terceirização (contratação indireta, com baixo salário) e da pejotização (transformação de pessoa física em jurídica).
A carteira de trabalho começou a ser desmoralizada há algumas décadas, com o início da terceirização, que começou devagar, apenas em serviços de segurança, portaria e limpeza, depois foi avançando, com a criação das falsas cooperativas e das organizações sociais (as famosas OSs), que passaram a incluir as atividades-fim.
Acontece que terceirização é sinônimo de diminuição de salários e encargos sociais, prejudica diretamente a Previdência. Os ministros do Tribunal Superior do Trabalho chegaram a advertir que a aprovação do projeto 4.330 terá efeito avassalador e reduzirá a renda em até 30%. “Ao invés de regular e restringir a terceirização, lamentavelmente o projeto tornou-a um procedimento de contratação e gestão trabalhista praticamente universal”, denunciou o ministro Mauricio Godinho Delgado, acrescentando que isso significa “um mal absolutamente impressionante na economia e na sociedade brasileira”.
LEI JÁ EM VIGOR – Não adianta os ministros do TST reclamarem, porque o mal já está feito, o Congresso aprovou e o presidente Michel Temer sancionou a terceirização irrestrita, que terá feito nocivo na receita do INSS, sem a menor dúvida. Um exemplo: trabalhador cooperativado que ganha R$ 10 mil prefere pagar carnê do INSS em um salário mínimo, como autônomo, para embolsar a diferença, esta é a regra geral.
O Tribunal Superior do Trabalho, é bom que se destaque, tem culpa na queda de arrecadação da Previdência, porque estranhamente desrespeitou a Constituição (art. 195) no que se refere a “rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”, e passou a permitir que empregado possa ser contratado como “pessoa jurídica”.
Para a Previdência e também para o Imposto de Renda, o prejuízo com a pejotização é colossal. O empregado não paga os 11% do INSS e a empresa não paga os 20% sobre a folha de salários, distorção que ocorre também na terceirização, pois o pagamento ao “terceirizador” entra no balanço da empresa como “gastos operacionais”, os 20% do INSS desaparecem.
TODOS SÃO PJs – Foi assim que o Brasil praticamente deixou de ter trabalhadores bem-sucedidos na iniciativa privada. Quando o empregado entra numa faixa salarial alta, ganhando mais de R$ 15 mil mensais, por exemplo, é pressionado a se tornar pessoa jurídica, que lhe é vantajoso, porque ele escapa dos 27,5% do Imposto de Renda sobre o que excede a faixa anterior e não desconta os 11% da Previdência. A empresa até oferece um pequeno aumento para compensar o décimo terceiro salário, e o empregado agradece e tira férias sem os 30%.
Todo trabalhador PJ paga IR na alíquota de 15% sobre o lucro real, descontadas todas as despesas da falsa pessoa jurídica, que pode até comprar casa, carro e abater quaisquer gastos em nome da falsa empresa, inclusive combustível, IPVA e empregados domésticos. Se o lucro real da falsa empresa for acima de R$ 20 mil mensais, a alíquota então cai para 10%, vejam que grande negócio para empresa e seu empregado bem-sucedido, mas que péssimo negócio para a Previdência e a Receita Federal.
PROCURA-SE UM EMPREGADO – Nos bancos e instituições financeiras, nos grandes grupos industriais, comerciais e de serviços, nas emissoras de rádio/televisão e até nas médias empresas, não existem mais trabalhadores bem-sucedidos. São todos PJs, como os 78 delatores da Odebrecht, que em média ganhavam R$ 330 mil mensais.
Esses salários da Odebrecht são mixaria perto do que pagam as TVs a seus apresentadores. Há muitos salários de R$ 1 milhão. Segundo o Portal Bol, as atrações que atualmente recebem maior remuneração são Ratinho, no SBT, com R$ 2 milhões mensais , Gugu, na Record, em torno de R$ 3 milhões, e Fausto Silva e Galvão Bueno, na Globo, com R$ 5 milhões cada. Todos são pejotizados, claro.
Essa situação só existe porque a Justiça permite, o Congresso Nacional não coíbe e o Planalto prefere culpar os trabalhadores e os funcionários civis e militares pelo suposto (e falso) déficit da Previdência. Quanto aos prejuízos da Receita Federal, quem se interessa?
PS – Tudo isso é um museu de grandes novidades, como diz a música de Cazuza e do nosso amigo Arnaldo Brandão. Trata-se de uma realidade mais do que conhecida, mas não se comenta. O que se divulga hoje é uma campanha massiva da mídia a favor da reforma da Previdência. Quanto ao Brasil, enquanto o pais não for à bancarrota total, não será discutido o massacre imposto pela descontrolada dívida pública, que o governo ridiculamente tenta esconder debaixo do tapete, porém não cabe mais e a sujeira se espalhou. (C.N.)
26 de abril de 2017
Carlos Newton
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