Por pelo menos nove países da América Latina e três da África vão pipocando denúncias de corrupção patrocinada por empreiteiras brasileiras. E ficou difícil negar que, em muitas situações, mesmo em conformidade com os procedimentos técnicos, o BNDES fazia parte do jogo. Só a Odebrecht está envolvida em pelo menos 10 casos até agora sob sigilo, alegadamente porque é preciso esclarecer em que país devem correr os processos.
As investigações do Departamento de Justiça dos Estados Unidos dão conta de que a Odebrecht pagou subornos milionários a políticos e seus parentes, partidos e funcionários públicos em pelo menos 12 países, com o objetivo de garantir contratos de obras de infraestrutura, como hidrelétricas, metrôs e rodovias.
Embora a imprensa brasileira já viesse levantando suspeitas que envolvem projetos de exportação de serviços do Brasil, a direção do BNDES martelava que nada tinha a dizer sobre os casos em que aparecia como financiador porque estavam sob sigilo bancário, mesmo em se tratando de banco público.
200 CONTRATOS – O diretor de Comércio Exterior e Fundos, Ricardo Ramos, reconhece que o BNDES financiou ou ajudou a financiar quase 200 contratos de exportação de serviços (de infraestrutura) que beneficiaram empreiteiras brasileiras, com financiamentos de US$ 13 bilhões (cerca de R$ 41 bilhões).
Ele assegura que o BNDES está limpo, porque fez desembolsos apenas em reais, sempre no Brasil e em bancos brasileiros. O BNDES, diz ele, não se dedicou a fazer análises de viabilidade técnica desses projetos porque focava a oportunidade de exportação de bens que acompanhava os projetos, cumpria decisões de Estado e, na maioria dos casos, contou com garantia dos respectivos Tesouros. “É zero de default, até a Venezuela está pagando”, disse Ramos a esta Coluna.
RASTROS DE CORRUPÇÃO – Sim, tudo parece tão limpo, em reais e tal, mas eis que, lá pelas tantas, aparecem digitais de doleiros e nítidos rastros de corrupção. “Não podemos nos responsabilizar pela interferência de doleiros e do que aconteceu depois”, disse Ramos.
A evidência de que não estava tudo dentro dos conformes também no BNDES é o fato de que, a partir de outubro, houve importante mudança de rumos. O BNDES deixou de agarrar-se ao estatuto do sigilo bancário e se dispôs a franquear suas operações. Já não bastam garantias de Estado. Cada projeto de exportação de serviços com cobertura do BNDES tem agora de passar por análises de viabilidade econômica, ambiental e tudo o mais. E das empresas brasileiras encarregadas de operar os projetos passaram a ser exigidos termos de compliance, compromisso de que seus negócios seriam tocados dentro das regras, sem desvios de recursos. Até mesmo contratos antigos foram enquadrados.
POR QUE MUDAR? – Se nada havia de errado com o BNDES e se os contratos de exportação de serviços cumpriam os requisitos que garantiam o retorno dos recursos, por que, então, essa mudança drástica de paradigma? “Mudou porque a sociedade brasileira passou a dizer que as regras anteriores não eram suficientes”, responde Ramos.
E por que os contratos de exportação de serviços envolveram apenas países do chamado terceiro mundo, em certo número de casos governados por dirigentes que estão sobre graves acusações de corrupção?
Hoje se suspeita de que parte das exportações de serviços dava cobertura a operações de troca de chumbo entre políticos, possivelmente destinados a garantir financiamentos recíprocos de campanha. Nas delações da Odebrecht, Hilberto Mascarenhas, ex-executivo do departamento que operacionalizava as propinas da empresa, revelou que o marqueteiro do PT João Santana, hoje preso, foi pago pela Odebrecht para atuar em campanhas presidenciais de cinco países, entre os quais estão três grandes devedores do BNDES.
EXPLICAÇÕES TÉCNICAS – Mas Ramos se limita às explicações técnicas: (1) As exportações de serviços atendem a interesses do Brasil, porque capacitam a engenharia nacional, contribuem para certificar empresas brasileiras, garantem empregos de qualidade por aqui e alavancam exportações de bens e equipamentos. E (2) o espaço para serviços de envergadura nos países avançados já está ocupado; dificilmente grandes obras de infraestrutura nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e na China serão executadas por empreiteiras brasileiras.
Curiosidade: Nas denúncias da Lava Jato, surgiu até o nome da ex-presidente da Petrobrás Graça Foster. Não apareceram nem o do presidente anterior, José Gabrielli, nem o do então presidente do BNDES, Luciano Coutinho.
25 de abril de 2017
Celso Ming
Estadão
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