"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 2 de outubro de 2016

SUPERAR O PROVINCIANISMO

Se o governo for bem-sucedido nos aspectos centrais do plano, são grandes as chances de superar o provincianismo terceiro-mundista que tanto marcou as relações externas do Brasil na última década

Na abertura da reunião do Conselho da Câmara de Comércio Exterior (Camex), o presidente Michel Temer delineou as diretrizes da política que pretende implantar para, em suas palavras, “restaurar a centralidade do comércio e dos investimentos no conjunto das políticas de desenvolvimento do País”. Se o governo for bem-sucedido nos aspectos centrais do plano, são grandes as chances de superar o provincianismo terceiro-mundista que tanto marcou as relações externas do Brasil na última década.

O que de mais importante se ouviu do presidente foi a intenção de restabelecer o pragmatismo no comércio exterior, retirando-o do atoleiro ideológico ao qual o lulopetismo o condenou. Em lugar de privilegiar acordos e negócios com países que pouco têm a oferecer ao Brasil além de duvidosas afinidades, o novo modelo obrigará o País a buscar as melhores oportunidades onde quer que elas estejam. O objetivo é fazer do comércio exterior um dos pilares da retomada do crescimento econômico e da geração de empregos. Como disse Temer, “essa é a demanda número um da sociedade brasileira”, e não o atendimento de interesses político-partidários, como se verificou durante os governos lulopetistas.

Embora se esteja apenas no terreno dos simbolismos e das boas intenções, os primeiros gestos do novo governo denotam real intenção de conferir substância aos anunciados objetivos. Em primeiro lugar, o próprio Michel Temer assumiu a presidência da Camex, um modo institucional de demonstrar que o estabelecimento de políticas de comércio exterior será decisão de Estado em seu mais alto nível.

O mesmo se deu com a gestão da Agência de Promoção de Exportações (Apex-Brasil), entregue ao ministro das Relações Exteriores, José Serra, conhecido por defender enfaticamente uma mudança drástica de rumos no comércio exterior e que recentemente se disse guiado “pelo pragmatismo e pela busca de resultados palpáveis”. Conforme o decreto que modificou as funções da Apex, a agência deixará de ser mera fomentadora de “atividades de exportação que favoreçam empresas de pequeno porte e geração de empregos” e passará a enfatizar “ações estratégicas que promovam a inserção competitiva das empresas brasileiras nas cadeias globais de valor, a atração de investimentos e a geração de empregos”, além de “apoiar as empresas de pequeno porte”. Trata-se de um objetivo muito mais ambicioso, condizente com o tamanho e o potencial da economia brasileira e alinhado com as exigências atuais do comércio internacional.

O caminho, contudo, é muito longo. Tanto Temer como Serra, em discursos recentes, lembraram que o Brasil, hoje, é apenas o 25.º exportador mundial. Não se chega a essa posição por acaso. Foram necessários anos de negligência, políticas erráticas e visão estreita para que o País ficasse tão para trás no comércio global. Temer não deixou de citar essa herança desastrosa: “Precisamos romper o relativo isolamento externo dos últimos anos. Negociamos poucos acordos, insuficientes em número e em impacto efetivo sobre nosso intercâmbio com o resto do mundo”. O presidente prometeu acelerar negociações entre o Mercosul e a União Europeia, “aprofundar conversas com outros parceiros” e recolocar o Mercosul “no caminho da normalidade”.

É um desafio e tanto. Para que o País seja bem-sucedido nessa seara, porém, não bastam medidas comerciais pontuais ou mesmo uma estratégia proativa nas relações exteriores. É preciso reduzir urgentemente o “custo Brasil” – somatório de deficiências estruturais que resulta no encarecimento dos produtos brasileiros no exterior. E isso passa necessariamente pela retomada da estabilidade fiscal e a consequente recuperação da capacidade de investimento, em especial em infraestrutura. Tudo isso torna mais urgentes as medidas de restauração das finanças públicas e da responsabilidade administrativa, sem as quais o Brasil não reunirá condições para sair do patamar internacional medíocre em que o lulopetismo o deixou.



02 de outubro de 2016
Editorial Estadão

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