"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 29 de outubro de 2016

OS 'SAVONAROLAS' QUEIMAM BANDIDOS E LEIS NA MESMA FOGUEIRA DAS VAIDADES

No dia 24 de setembro, André Singer, colunista deste jornal, publicou um artigo intitulado "É hora de barrar o arbítrio", em que aponta o que considera escalada autoritária na Lava Jato. Referindo-se a uma crítica que fiz à prisão-relâmpago do ex-ministro Guido Mantega, escreve: "Não sou eu quem o diz, mas o insuspeito de petismo Reinaldo Azevedo. 'Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado: 'Mandamos soltar e prender quando nos der na telha'". Mais adiante, Singer considera: "Agora parece que Moro ultrapassou o limite do aceitável, mesmo para corações liberais e conservadores."

Este coração não esperou que Moro e outros ultrapassassem os limites para reagir. Eu nunca espero. Minhas vertigens visionárias não carecem de seguidores (Caetano Veloso). Antes que Rogério Cézar de Cerqueira Leite, de quem costumo discordar absolutamente, associasse o magistrado a Savonarola, eu mesmo o fiz nesta coluna, no dia 17 de julho de 2015.

Lá está: "Os filhos do PT comem seus pais. Chegou a hora de a companheirada se tornar vítima de seus religiosos fanáticos, formados nas escolas de direito contaminadas por doutrinadores do partido e esquerdistas ainda mais obtusos.(...). O PT de 2015 está experimentando a fúria dos 'savonarolas' que criou".

Trata-se de história das mentalidades. Eu aponto o caráter esquerdizante de membros da Lava Jato, com seu pronunciado e reiterado ódio ao capitalismo, expresso em múltiplas petições. O fato de que estejam fazendo um trabalho meritório e necessário para caçar bandidos não esconde sua matriz intelectual, que apelido, fazendo uma ironia, de "TFPT", juntando, se me permitem a graça, "psyché" e "physique du rôle".

Quando é dado a seus protagonistas fazer digressões sobre a ordem legal, ouve-se o alarido do "Direito Achado na Rua", do "neoconstitucionalismo", das "constituições vivas". Em que tipo de solo moral vicejam propostas como aceitação em juízo de prova ilegal (desde que colhida de boa-fé...), teste de honestidade e a quase extinção do habeas corpus? Corações liberais e conservadores, como o meu, gostam do direito achado nas leis, do literalismo, das constituições mortas.

O mesmo PT que denuncia a um órgão da ONU a suposta agressão aos direitos fundamentais de Lula promove uma invasão homicida de escolas no Paraná, por exemplo, e declara que, nos prédios invadidos, a decisão de uma assembleia de 20 pessoas vale mais do que a Constituição e o direito de milhões de alunos.

Ainda me lembro das saliências da PF, sob o comando de Paulo Lacerda, e da reação do então presidente Lula. Segundo dizia, os corruptos e bandidos tinham mais era de perder o sono... Hoje, partidários seus fazem vigília à sua porta.

A destrambelhada e ilegal Operação Métis, no Senado, evidencia que os "savonarolas" não se importam de queimar, na mesma fogueira das vaidades, os bandidos e a ordem legal. Reagi aos arreganhos autoritários do petismo. Reajo agora. Nota: há ainda quem não tenha entendido que os equipamentos do Senado nada podiam contra eventuais escutas legais.

É pena eu não ter tido a oportunidade de escrever, no primeiro e no segundo mandatos de Lula, que até André Singer, "insuspeito de conservadorismo", com seu "coração progressista", lamentava que PF e Abin pudessem ser usados a serviço de um governo e de um partido. E foram, como se sabe.

Que tamanho tem o meu exército? O tamanho de uma convicção. Para os meus propósitos, basta.



29 de outubro de 2016
Reinaldo Azevedo, Folha de SP

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