Achamos lucro pecaminoso e a estabilidade de um emprego público ideal porque, afinal, o Estado é responsável por nossos sucessos e fracassos, pessoais e sociais
A pior herança que o lulopetismo deixou para a minha geração foi a personificação da democracia em um líder popular criado por uma engenhosa e bilionária máquina de comunicação.
A geração de meados dos anos 80 começou a ter alguma consciência política em torno dos 15 anos de idade, quando aconteceu uma guinada histórica na vida política do Brasil: Lula chegava à Presidência da República, depois de três duras eleições, com notoriedade mundial e credencial de ser o grande porta-voz das necessidades dos brasileiros necessitados.
Crescemos vendo “programas sociais” serem ampliados, ouvindo que o Brasil era a grande promessa mundial, que fazíamos parte de uma geração testemunha de uma transformação inédita em terras tupiniquins.
Fizeram-nos acreditar que sem Estado somos incapazes de criar arte, que qualquer coisa que carregue o nome “social” é bom, ignorando os mais de sete milhões de famintos, os mais de 12 milhões de desempregados e que apenas 8% da faixa etária trabalhadora compreendem e se expressam plenamente através das letras e dos números.
Achamos lucro pecaminoso e a estabilidade de um emprego público ideal e atraente porque, afinal, o Estado, essa entidade grandiosa e onipresente e potente, é responsável por todos os nossos sucessos e fracassos — pessoais e sociais.
Nos injetaram altas de doses de propagandas que o Fies era maravilhoso e nos blindaram do fato de que, sem qualidade de ensino e de emprego, o diploma torna-se enfeite na parede e o financiamento, um fardo que gruda nas costas de quase 47% dos estudantes que não conseguem pagar.
Fizeram-nos acreditar que Fies e cotas eram suficientes e nos esconderam que os orçamentos das universidades federais têm tido contingenciamento desde 2014, resultando em um déficit (2015) de R$ 400 mi apenas em nove das 15 maiores do país. Também esconderam que as bolsas dos que insistiam em fazer ciência sempre atrasavam e que a burocracia para o avanço científico e tecnológico era monstruoso.
Os que foram contra a eleição de Tancredo Neves contra os generais no Colégio Eleitoral, a Constituição de 88, o Plano Real, que pediram o impeachment para todos os presidentes desde a abertura democrática, que acharam que um presidente deveria cair porque privatizava demais querem nos convencer de que nunca estiveram no poder durante 13 anos e que crise é culpa de um governo tampão que assumiu por conta de crimes fiscais. Não assumem que Temer no poder é escolha do PT e seus eleitores desde 2010.
Ganham força na retórica de que as contas públicas não têm problema, que corte orçamentário é maldade da elite golpista. Não assumem os golpes bilionários contra o Brasil, para mover essa máquina comunicativa.
O lulopetismo deixou uma geração acreditar que a democracia só vale se jogada pelo jogo do nós contra eles e que qualquer pessoa ou fato que atinja as almas vivas mais caridosas do país, cujo roubo é filantrópico e altruísta, é um golpe contra a democracia.
18 de outubro de 2016
Thiago Mourão, O Globo
A pior herança que o lulopetismo deixou para a minha geração foi a personificação da democracia em um líder popular criado por uma engenhosa e bilionária máquina de comunicação.
A geração de meados dos anos 80 começou a ter alguma consciência política em torno dos 15 anos de idade, quando aconteceu uma guinada histórica na vida política do Brasil: Lula chegava à Presidência da República, depois de três duras eleições, com notoriedade mundial e credencial de ser o grande porta-voz das necessidades dos brasileiros necessitados.
Crescemos vendo “programas sociais” serem ampliados, ouvindo que o Brasil era a grande promessa mundial, que fazíamos parte de uma geração testemunha de uma transformação inédita em terras tupiniquins.
Fizeram-nos acreditar que sem Estado somos incapazes de criar arte, que qualquer coisa que carregue o nome “social” é bom, ignorando os mais de sete milhões de famintos, os mais de 12 milhões de desempregados e que apenas 8% da faixa etária trabalhadora compreendem e se expressam plenamente através das letras e dos números.
Achamos lucro pecaminoso e a estabilidade de um emprego público ideal e atraente porque, afinal, o Estado, essa entidade grandiosa e onipresente e potente, é responsável por todos os nossos sucessos e fracassos — pessoais e sociais.
Nos injetaram altas de doses de propagandas que o Fies era maravilhoso e nos blindaram do fato de que, sem qualidade de ensino e de emprego, o diploma torna-se enfeite na parede e o financiamento, um fardo que gruda nas costas de quase 47% dos estudantes que não conseguem pagar.
Fizeram-nos acreditar que Fies e cotas eram suficientes e nos esconderam que os orçamentos das universidades federais têm tido contingenciamento desde 2014, resultando em um déficit (2015) de R$ 400 mi apenas em nove das 15 maiores do país. Também esconderam que as bolsas dos que insistiam em fazer ciência sempre atrasavam e que a burocracia para o avanço científico e tecnológico era monstruoso.
Os que foram contra a eleição de Tancredo Neves contra os generais no Colégio Eleitoral, a Constituição de 88, o Plano Real, que pediram o impeachment para todos os presidentes desde a abertura democrática, que acharam que um presidente deveria cair porque privatizava demais querem nos convencer de que nunca estiveram no poder durante 13 anos e que crise é culpa de um governo tampão que assumiu por conta de crimes fiscais. Não assumem que Temer no poder é escolha do PT e seus eleitores desde 2010.
Ganham força na retórica de que as contas públicas não têm problema, que corte orçamentário é maldade da elite golpista. Não assumem os golpes bilionários contra o Brasil, para mover essa máquina comunicativa.
O lulopetismo deixou uma geração acreditar que a democracia só vale se jogada pelo jogo do nós contra eles e que qualquer pessoa ou fato que atinja as almas vivas mais caridosas do país, cujo roubo é filantrópico e altruísta, é um golpe contra a democracia.
18 de outubro de 2016
Thiago Mourão, O Globo
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