Políticos que dizem dispor de modelo teórico ou ideológico capaz de balizar políticas de sucesso garantido estão mentindo ou equivocados
Sou cético acerca das ciências sociais. Simplesmente não acredito que seja possível a formulação de uma estrutura teórica (marxista, keynesiana, hayekiana, ou seja lá qual for a sua preferência pessoal) capaz de explicar, mesmo que de forma rudimentar, os processos econômicos, quiçá os processos sociais em geral. Os sistemas sociais, além de muito complexos, não são fechados (interagem com outros sistemas) e são caóticos (pequenas variações nas condições iniciais podem causar grandes diferenças no resultado final). Além disso, as ciências sociais não dispõem de modelos teóricos que incorporem, ao mesmo tempo, variáveis políticas, econômicas, tecnológicas, geográficas, climáticas e culturais. E é óbvio que qualquer dessas variáveis pode alterar drasticamente a evolução de uma sociedade. Os processos sociais são, pura e simplesmente, complexos demais para serem modelados.
Logo, qualquer político que afirme dispor de algum modelo teórico ou ideológico capaz de balizar políticas sociais e econômicas de sucesso garantido, sobretudo no longo prazo, ou está mentindo ou está seriamente equivocado. Tome o exemplo das empresas estatais. É verdade que as empresas estatais tendem a ser ineficientes e que estão sujeitas ao achaque de maus governantes (caso da Petrobras e da Eletrobras), mas isso não significa que não existam contextos em que as empresas estatais sejam benéficas ou mesmo necessárias para o desenvolvimento de um país. Às vezes, o setor privado de um país não dispõe de recursos para investir em infraestrutura e energia, e a formação de uma empresa estatal é a única forma viável de resolver o problema. Por outro lado, a privatização de empresas estatais ineficientes e caras pode impulsionar o desenvolvimento de um país. A História está plena de exemplos nos dois sentidos. Chavões do tipo “temos que privatizar” ou “temos que estatizar” são exemplos de arrogância intelectual injustificada ou sintomas de fanatismo.
A verdade é que todos os grandes dogmas da esquerda e da direita são mitos. Afirmações do tipo “só os empreendedores capitalistas irão inovar” são balela. A internet, por exemplo, não foi inventada por empresas privadas buscando o lucro. Foi inventada por cientistas e professores universitários trabalhando para o setor público. E a Nasa, que inovou bastante, é uma agência do governo americano. Por sua vez, a ideia de que “o Estado tem que redistribuir riquezas para compensar os defeitos do sistema capitalista” sequer faz sentido. A que sistema capitalista essa ideia se refere? Se a todos, trata-se de uma ideia equivocada, posto que o sistema capitalista americano dos anos 50 e 60, por exemplo, gerou crescimento com distribuição de riquezas.
A realidade é bem mais complexa do que parece à primeira vista. O máximo que um administrador público pode fazer é estar consciente da falibilidade das teorias sociais em geral, avaliar sem apego ideológico os modelos teóricos e as políticas públicas que tiveram melhor resultado na História recente de sociedades parecidas com a sua, e aplicá-los tentativamente, sempre monitorando os resultados e reavaliando os rumos.
Sabendo que penso assim, o leitor pode imaginar o quão estupefato fico face ao atual debate político brasileiro. Os nossos formadores de opinião, quase todos socialistas ou neoliberais convictos, travam um debate estúpido a partir de posições ideológicas dicotômicas que, acreditam eles, explicam o Brasil e o mundo. Como se a esquerda e a direita radicais exaurissem todas as possíveis formulações teóricas das ciências sociais. Apenas para dar um exemplo: se você acha que a teoria dos jogos é um bom ponto de partida para modelar um dado processo social e emite opiniões a partir dela, as suas opiniões são de esquerda ou de direita? Pois é, nem todas as ideias são reduzíveis às ideologias dominantes...
Do ponto de vista socrático, de quem busca conhecer a própria ignorância, o debate político no Brasil se transformou em um festival inacreditável de besteiras gritadas em tom grandiloquente. O Brasil não precisa de neoliberais ou de socialistas simplórios, polarizados e convictos; o Brasil precisa de uma liderança racional e honesta. Infelizmente, não vejo ninguém assim no horizonte. Sem exceção, não vi um único candidato a prefeito razoável nestas eleições. Uma lástima. Estou tão cético quanto o Brasil quanto sou cético acerca das ciências sociais.
18 de outubro de 2016
José Padilha, O Globo
Sou cético acerca das ciências sociais. Simplesmente não acredito que seja possível a formulação de uma estrutura teórica (marxista, keynesiana, hayekiana, ou seja lá qual for a sua preferência pessoal) capaz de explicar, mesmo que de forma rudimentar, os processos econômicos, quiçá os processos sociais em geral. Os sistemas sociais, além de muito complexos, não são fechados (interagem com outros sistemas) e são caóticos (pequenas variações nas condições iniciais podem causar grandes diferenças no resultado final). Além disso, as ciências sociais não dispõem de modelos teóricos que incorporem, ao mesmo tempo, variáveis políticas, econômicas, tecnológicas, geográficas, climáticas e culturais. E é óbvio que qualquer dessas variáveis pode alterar drasticamente a evolução de uma sociedade. Os processos sociais são, pura e simplesmente, complexos demais para serem modelados.
Logo, qualquer político que afirme dispor de algum modelo teórico ou ideológico capaz de balizar políticas sociais e econômicas de sucesso garantido, sobretudo no longo prazo, ou está mentindo ou está seriamente equivocado. Tome o exemplo das empresas estatais. É verdade que as empresas estatais tendem a ser ineficientes e que estão sujeitas ao achaque de maus governantes (caso da Petrobras e da Eletrobras), mas isso não significa que não existam contextos em que as empresas estatais sejam benéficas ou mesmo necessárias para o desenvolvimento de um país. Às vezes, o setor privado de um país não dispõe de recursos para investir em infraestrutura e energia, e a formação de uma empresa estatal é a única forma viável de resolver o problema. Por outro lado, a privatização de empresas estatais ineficientes e caras pode impulsionar o desenvolvimento de um país. A História está plena de exemplos nos dois sentidos. Chavões do tipo “temos que privatizar” ou “temos que estatizar” são exemplos de arrogância intelectual injustificada ou sintomas de fanatismo.
A verdade é que todos os grandes dogmas da esquerda e da direita são mitos. Afirmações do tipo “só os empreendedores capitalistas irão inovar” são balela. A internet, por exemplo, não foi inventada por empresas privadas buscando o lucro. Foi inventada por cientistas e professores universitários trabalhando para o setor público. E a Nasa, que inovou bastante, é uma agência do governo americano. Por sua vez, a ideia de que “o Estado tem que redistribuir riquezas para compensar os defeitos do sistema capitalista” sequer faz sentido. A que sistema capitalista essa ideia se refere? Se a todos, trata-se de uma ideia equivocada, posto que o sistema capitalista americano dos anos 50 e 60, por exemplo, gerou crescimento com distribuição de riquezas.
A realidade é bem mais complexa do que parece à primeira vista. O máximo que um administrador público pode fazer é estar consciente da falibilidade das teorias sociais em geral, avaliar sem apego ideológico os modelos teóricos e as políticas públicas que tiveram melhor resultado na História recente de sociedades parecidas com a sua, e aplicá-los tentativamente, sempre monitorando os resultados e reavaliando os rumos.
Sabendo que penso assim, o leitor pode imaginar o quão estupefato fico face ao atual debate político brasileiro. Os nossos formadores de opinião, quase todos socialistas ou neoliberais convictos, travam um debate estúpido a partir de posições ideológicas dicotômicas que, acreditam eles, explicam o Brasil e o mundo. Como se a esquerda e a direita radicais exaurissem todas as possíveis formulações teóricas das ciências sociais. Apenas para dar um exemplo: se você acha que a teoria dos jogos é um bom ponto de partida para modelar um dado processo social e emite opiniões a partir dela, as suas opiniões são de esquerda ou de direita? Pois é, nem todas as ideias são reduzíveis às ideologias dominantes...
Do ponto de vista socrático, de quem busca conhecer a própria ignorância, o debate político no Brasil se transformou em um festival inacreditável de besteiras gritadas em tom grandiloquente. O Brasil não precisa de neoliberais ou de socialistas simplórios, polarizados e convictos; o Brasil precisa de uma liderança racional e honesta. Infelizmente, não vejo ninguém assim no horizonte. Sem exceção, não vi um único candidato a prefeito razoável nestas eleições. Uma lástima. Estou tão cético quanto o Brasil quanto sou cético acerca das ciências sociais.
18 de outubro de 2016
José Padilha, O Globo
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