...mas a questão ainda está longe do fim. Dilma não ficará no poder conquistando oito togados. Alguns milhões esperam que pague por seus crimes de responsabilidade
Convenham! Todos somos um tanto tentados pelo diabo, não é mesmo? A literatura, até a brasileira, é rica no trato dessa voz interna que nos recomenda: “Deixe o circo pegar fogo!”. Não é diferente comigo. Se fosse só pelo gosto, deveria estar aqui dando pulos de alegria. Se tudo der certo para Dilma, dará tudo errado para o PT. Não deixa de ser bom! O chato é que o país vai pagar uma conta altíssima se esta senhora continuar na Presidência. E aí quem fala ao meu ouvido é o anjo, que quer o bem.
O Supremo atravessou a rua hoje para se meter na crise, numa evidência de que a arruaça desses tempos, que tomou conta do Executivo e do Legislativo, chegou ao Supremo, como chegou à Procuradoria-Geral da República. Querem saber? Foi um dia mais triste para o tribunal do que propriamente para o país. Vamos a uma síntese.
AS REJEIÇÕES
– A corte rejeitou por unanimidade a tese de que Eduardo Cunha estaria obrigado a receber uma defesa prévia de Dilma antes de dar continuidade ao processo.
– A corte rejeitou por unanimidade a tese de que Eduardo Cunha não poderia participar do processo porque adversário político da presidente.
Bem, de tão absurdas que são as duas formulações, nem se parabenize o tribunal por rejeitá-las.
Mas…
O PODER DO SENADO
O Supremo, por maioria, com divergência aberta pelo petista sem carteirinha Roberto Barroso, decidiu que a Câmara faz apenas o juízo de admissibilidade do impeachment e que isso não obriga o Senado a abrir o processo. Opuseram-se à tese apenas os ministros Luís Edson Fachin (relator), Dias Toffoli (em sessão memorável) e Gilmar Mendes (para não variar, votando bem!).
Assim, o que vai acontecer? Caso a Câmara dê autorização para o Senado processar e julgar a presidente, tal decisão será submetida ao plenário do Senado, que vai deliberar por maioria simples: metade mais um dos que votarem (desde que estejam presentes metade mais um dos 81 senadores).
Trata-se de uma clara violação ao que estabelece a Constituição no Artigo 86, a saber:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
Notem que, ali, se diz “será”, não “pode ser, a depender de…”.
Mas, atenção!, tal votação de admissibilidade se fez no impeachment de Collor. Ainda se encontra ao menos um grãozinho de razoabilidade no que é dito. Quanto ao resto, aí a coisa caminha para o absurdo.
A COMISSÃO
A maioria dos ministros decidiu, na prática, tornar sem efeito a comissão do impeachment criada na Câmara. Roberto Barroso inventou a regra — e acabou emplacando a tese — de que não se admite candidatura avulsa nesse caso. Ou por outra: a comissão só pode ser formada, segundo a proporcionalidade dos partidos, com os membros indicados pelos líderes.
Ora, então por que fazer votação? É um escândalo! Se não pode haver disputa, a questão do voto secreto ou aberto é irrelevante.
DESTAQUES POSITIVOS E NEGATIVOS
Destaque-se a qualidade do voto, nesta quarta, de Dias Toffoli, que tentou chamar atenção dos seus pares para o fato de que o tribunal estava entrando na economia interna do outro Poder — na prática, legislava sobre questões de procedimento interno. Um vexame e um escândalo.
Luís Edson Fachin deu um voto exemplar, preservando a independência entre os Poderes. Gilmar Mendes chamou atenção para o fato de que o tribunal havia deixado de votar questões de princípio para fornecer oxigênio a um governo que pretende se manter à custa de tribunais.
Não darei o destaque negativo para Barroso. Eu espero dele sempre o pior, e ele nunca me decepciona. Quem realmente enfiou o pé na jaca desta feita foi Celso de Mello. Sem conseguir ancorar sua decisão nas leis ou na Constituição, saiu-se com a máxima de que o Senado precisaria ter o poder de barrar a instauração de um processo levando-se em conta o “útil, o oportuno e o conveniente”.
O ministro deve ter se esquecido de que os senadores poderiam levar isso em conta na hora do julgamento.
Não se vai decidir nada neste ano, e tudo se transfere para 2016. Essa história está muito longe do fim.
Ministros do Supremo que ignoraram a Constituição e o Regimento Interno em seu voto ignoraram também a população. Que vai às ruas dizer o que pensa. Aí nós vamos ver.
17 de dezembro de 2015
Reinaldo Azevedo
Convenham! Todos somos um tanto tentados pelo diabo, não é mesmo? A literatura, até a brasileira, é rica no trato dessa voz interna que nos recomenda: “Deixe o circo pegar fogo!”. Não é diferente comigo. Se fosse só pelo gosto, deveria estar aqui dando pulos de alegria. Se tudo der certo para Dilma, dará tudo errado para o PT. Não deixa de ser bom! O chato é que o país vai pagar uma conta altíssima se esta senhora continuar na Presidência. E aí quem fala ao meu ouvido é o anjo, que quer o bem.
O Supremo atravessou a rua hoje para se meter na crise, numa evidência de que a arruaça desses tempos, que tomou conta do Executivo e do Legislativo, chegou ao Supremo, como chegou à Procuradoria-Geral da República. Querem saber? Foi um dia mais triste para o tribunal do que propriamente para o país. Vamos a uma síntese.
AS REJEIÇÕES
– A corte rejeitou por unanimidade a tese de que Eduardo Cunha estaria obrigado a receber uma defesa prévia de Dilma antes de dar continuidade ao processo.
– A corte rejeitou por unanimidade a tese de que Eduardo Cunha não poderia participar do processo porque adversário político da presidente.
Bem, de tão absurdas que são as duas formulações, nem se parabenize o tribunal por rejeitá-las.
Mas…
O PODER DO SENADO
O Supremo, por maioria, com divergência aberta pelo petista sem carteirinha Roberto Barroso, decidiu que a Câmara faz apenas o juízo de admissibilidade do impeachment e que isso não obriga o Senado a abrir o processo. Opuseram-se à tese apenas os ministros Luís Edson Fachin (relator), Dias Toffoli (em sessão memorável) e Gilmar Mendes (para não variar, votando bem!).
Assim, o que vai acontecer? Caso a Câmara dê autorização para o Senado processar e julgar a presidente, tal decisão será submetida ao plenário do Senado, que vai deliberar por maioria simples: metade mais um dos que votarem (desde que estejam presentes metade mais um dos 81 senadores).
Trata-se de uma clara violação ao que estabelece a Constituição no Artigo 86, a saber:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
Notem que, ali, se diz “será”, não “pode ser, a depender de…”.
Mas, atenção!, tal votação de admissibilidade se fez no impeachment de Collor. Ainda se encontra ao menos um grãozinho de razoabilidade no que é dito. Quanto ao resto, aí a coisa caminha para o absurdo.
A COMISSÃO
A maioria dos ministros decidiu, na prática, tornar sem efeito a comissão do impeachment criada na Câmara. Roberto Barroso inventou a regra — e acabou emplacando a tese — de que não se admite candidatura avulsa nesse caso. Ou por outra: a comissão só pode ser formada, segundo a proporcionalidade dos partidos, com os membros indicados pelos líderes.
Ora, então por que fazer votação? É um escândalo! Se não pode haver disputa, a questão do voto secreto ou aberto é irrelevante.
DESTAQUES POSITIVOS E NEGATIVOS
Destaque-se a qualidade do voto, nesta quarta, de Dias Toffoli, que tentou chamar atenção dos seus pares para o fato de que o tribunal estava entrando na economia interna do outro Poder — na prática, legislava sobre questões de procedimento interno. Um vexame e um escândalo.
Luís Edson Fachin deu um voto exemplar, preservando a independência entre os Poderes. Gilmar Mendes chamou atenção para o fato de que o tribunal havia deixado de votar questões de princípio para fornecer oxigênio a um governo que pretende se manter à custa de tribunais.
Não darei o destaque negativo para Barroso. Eu espero dele sempre o pior, e ele nunca me decepciona. Quem realmente enfiou o pé na jaca desta feita foi Celso de Mello. Sem conseguir ancorar sua decisão nas leis ou na Constituição, saiu-se com a máxima de que o Senado precisaria ter o poder de barrar a instauração de um processo levando-se em conta o “útil, o oportuno e o conveniente”.
O ministro deve ter se esquecido de que os senadores poderiam levar isso em conta na hora do julgamento.
Não se vai decidir nada neste ano, e tudo se transfere para 2016. Essa história está muito longe do fim.
Ministros do Supremo que ignoraram a Constituição e o Regimento Interno em seu voto ignoraram também a população. Que vai às ruas dizer o que pensa. Aí nós vamos ver.
17 de dezembro de 2015
Reinaldo Azevedo
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