Em meio a tantas notícias sobre crises, busco me manter minimamente lúcida. Leio sobre o horror dos refugiados na Europa e fico sabendo que foi encontrado um caminhão frigorífico com mais de 70 cadáveres de refugiados numa estrada na Áustria, quase fronteira com a Hungria. No mar já se afogaram mais de 2.500 pessoas, entre crianças, mulheres, homens e velhos, fugindo da miséria de seus países. Agora vou em busca de mais informações sobre a construção do mundo que conhecemos.
Dei de presente um livro que parece ser fantástico sobre a disputa entre mouros e cristãos otomanos em Malta e preciso saber melhor a história da Alemanha no pós-guerra. Há muito a aprender, embora eu refute com veemência certa tendência em voga no Brasil destes dias em que todos se sentem culpados pelo que vem acontecendo, e, quando todos são culpados, ninguém o é.
FHC vai e volta: primeiro quer a renúncia da presidente, agora diz que “o sistema fracassou”. E ouço uma entrevista com o coordenador das investigações da Lava Jato que invoca até o Padre Vieira, em seu sermão sobre o “bom ladrão”, em que ele teria dito que “os portugueses aqui vieram não para trazer bens para o Brasil, mas para levar os bens aqui existentes”. Assim sendo, a corrupção é ampla, geral e irrestrita, e somos todos culpados. Mesmo com prova em contrário.
EXPERIÊNCIA NO CONGRESSO
Meu assunto, porém, é outro. Elio Gaspari fez uma brilhante análise sobre a presidente e comparou sua falta de experiência parlamentar com o que depois veio a acontecer com Delfim Netto e Roberto Campos, próceres da ditadura, que aprenderam rapidamente no Congresso que há uma diferença enorme entre “manda quem pode, obedece quem tem juízo” e a necessidade de parlamentar, submeter-se a opiniões diversas e poder até ser derrotado.
Fui colega de ambos. Roberto Campos, com um caderno escolar que nem espiral tinha, anotava como um estudante todos os argumentos dos colegas na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara dos Deputados. Na sessão seguinte, lá vinha ele e – conforme o caso – refutava um a um os argumentos dos outros deputados, por mais desconhecidos que fossem eles.
Delfim não era homem de plenário, mas devia brilhar nas comissões de finanças ou economia. Ouvi dele tiradas brilhantes em inesquecíveis colóquios com Maria da Conceição Tavares. Faltou na lista de Gaspari a figura ímpar de Erundina. Também ela, depois de ter sido vereadora em São Paulo, já eleita prefeita, promoveu um seminário de prefeituras progressistas – entre as quais incluiu Belo Horizonte de Pimenta da Veiga, e ao qual tive a honra de comparecer para debater.
Assentada na primeira fila do auditório, também com um caderno escolar, Erundina anotava detidamente todas as intervenções.
DILMA NÃO APRENDEU NADA
Pena que Dilma não tenha passado por momentos como esse. Quanto à fina e mordaz ironia de Delfim, ele a destilou em seminário na semana passada, incluindo-se entre os que criticou. E até citou Nietzsche, para quem “as piores mentiras são as que contamos para nós mesmos. As que contamos para os outros não têm importância”.
Tirem a conclusão que quiserem.
05 de setembro de 2015
Sandra Starling
O Tempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário