"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 5 de abril de 2015

O IMPROVÁVEL ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO

Na pauta, ainda relativamente difusa, das manifestações de rua ganha destaque a repulsa à corrupção, principalmente em razão da sequência de notícias que fazem parecer que o País regrediu à barbárie, sendo o Estado assaltado de forma sistêmica e contínua. 
Como reação ao clamor popular, foram anunciados pacotes anticorrupção. Gilson Dipp, ministro aposentado do STJ, em entrevista ao Correio Braziliense (22/3), ponderou que esses pacotes constituem leis de ocasião, apenas para dar uma satisfação à sociedade; as medidas propostas são iniciativas requentadas; e não é a gravidade da pena que impede a prática do delito.
Corrupção é fenômeno complexo e oportunista. Seu enfrentamento requer atitude permanente, envolvendo a adoção de medidas efetivas e simbólicas. Caso permaneçam as causas que dão ensejo à corrupção, nenhuma legislação será eficaz.

No plano simbólico, o Estado precisa vestir-se com trajes da austeridade. É um escárnio a existência de 39 ministérios, constituídos meramente para abrigar pouco virtuosas postulações políticas. A publicidade oficial devia limitar-se a campanhas públicas educativas, abdicando das peças autolaudatórias e narrativas mitomaníacas de exclusivo interesse político-partidário.

No âmbito das medidas efetivas, uma questão central é a ocupação dos cargos de direção na administração pública. A vedação ao nepotismo foi um avanço. Nada se fez, entretanto, para prevenir o afilhadismo.

O afilhado tem compromisso apenas com o padrinho (político ou organização política), nunca com o Estado. Antes, os apaniguados faziam pequenos favores. Mais adiante, a prática evoluiu para entrega de parte dos honorários da função comissionada ao partido patrocinador da indicação. Hoje, são entregues parcelas de contratos celebrados com a administração pública.

Não são desarrazoadas indicações de partidos para o exercício de funções políticas no Executivo. Mas funções técnicas deveriam ser reservadas a servidores, selecionados por critérios meritocráticos estabelecidos em lei.

É ingenuidade supor que a corrupção se tenha limitado à Operação Lava Jato. Não seria a hora de instituir um programa sério e transparente de apuração de presumíveis irregularidades nos setores elétrico e rodoviário, fundos de pensão, etc.? Será que devemos continuar na dependência de incidentes para iniciarmos investigações?

É deplorável a destinação de cerca de R$ 900 milhões ao Fundo Partidário, cujas verbas são utilizadas, muitas vezes, em proveito próprio dos "donos" de partidos ou para um ridículo proselitismo. A propósito, até hoje inexistem regras para fiscalizar e aprovar as contas dos Fundos Partidários.


O orçamento público é território conhecido da corrupção, aqui e alhures. Hoje sujeito a regras completamente obsoletas, o Orçamento, no Brasil, possibilitou o aperfeiçoamento contínuo da vilania das emendas parlamentares. 
Em tese, a participação dos parlamentares na aprovação do Orçamento é inerente à democracia. Na prática, todavia, não é bem assim. As emendas, frequentemente, estão associadas ao financiamento ilícito de campanhas eleitorais e a favorecimentos pessoais, o que implica, quase sempre, corrupção, como atestam seguidos exemplos desde o escândalo dos "anões" do Orçamento. Além disso, propiciam lamentáveis barganhas com o Executivo, que "jabuticaba" do orçamento impositivo não conseguirá evitar.

É indispensável empreender a reforma orçamentária, cuidando, ao menos, das regras concernentes à previsão das receitas e à inserção de emendas nos programas orçamentários. Também se inscrevem no rol de medidas para enfrentamento da corrupção o disciplinamento dos lobbies, a revisão da Lei de Licitações, o financiamento privado de campanhas eleitorais, o restabelecimento da competência da Receita para proceder à suspensão de imunidade tributária dos partidos políticos (suprimida à época das investigações do mensalão), etc. 

Enfim, uma tarefa árdua e pouco provável.

05 de abril de 2015
Everardo Maciel, O Estado de S.Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário