"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 30 de março de 2015

FERNANDA MONTENEGRO E NATALIA TIMBERG, UM MOMENTO DE ARTE




Não tem razão alguma os que protestam contra o beijo entre as atrizes Fernanda Montenegro e Natália Timberg na novela Babilônia, de Gilberto Braga.
A cena focalizou um momento de arte presente na vida humana, na realidade universal de todos os dias. O tema foi muito bem focalizado pelas repórteres Keila Gimenez e Camila Alvarenga na Folha de São Paulo, caderno Ilustrada edição de 27 de março.

Não se trata, nem o autor pensou nisso em incentivar a prática do homossexualismo entre mulheres. Pois se assim fosse poder-se-ia dizer que William Shakespeare, em sua obra eterna, incentivou a violência masculina contra mulheres, ao destacar a morte de Desdemona por Otelo.

A exibição de uma obra de arte não é uma peça de propaganda, não incentiva pessoa alguma a seguir o que é apresentado. Ao contrário em muitos casos significa até a condenação do que é apresentado. Não é o que ocorre com o beijo entre Fernanda e Natália, já que todos sabemos que esse tipo de relacionamento ocorre bastante entre mulheres que vivem solitárias. E entre homens também.

Não se trata, nem eu estou tratando de incentivar o homossexualismo, mas apenas considerá-lo como algo que existe, existiu e existirá sempre entre seres humanos. Não somos todos iguais e devemos, portanto, respeitar a desigualdade dos sexos e dos impulsos sexuais.

Vale destacar, inclusive, que não fossem os homossexuais, a arte no mundo não seria o que é. Exemplos não faltam em todos os setores de livre criação e interpretação, do ballet à escultura, passando pela pintura, literatura, teatro, cinema também pela televisão.

Qualquer restrição a uma obra de arte sempre será um esforço de retrocesso na cultura, pois não há exemplo na história universal de uma obra de arte que tenha sofrido interdição e que, tempos depois não tenha sido exibida livremente. O cinema está cheio desses exemplos, o teatro também, a literatura inclusive.
Houve um tempo em que o Vaticano criou um index reunindo romances proibidos de serem lidos por católicos. Onde foi parar esse index? Resposta: num arquivo morto qualquer da história religiosa.
Obras de Zola, Marcel Proust, Flaubert, Eça de Queiroz, por exemplo, encontravam-se na lista do retrocesso, a qual na realidade representava a censura ao pensamento livre.

CENSURA ODIOSA

Por isso, qualquer censura é odiosa, colide com a evolução humana e sobretudo com a ideia e o ideal da liberdade. Por tudo isso, não têm procedência as manifestações públicas contrárias ao desempenho protagonizado por Fernanda Montenegro e Natalia Timberg, duas atrizes extraordinárias.
Dentro da ideia de liberdade, os que não aceitam tal cena e tal comportamento podem com um clique mudar o canal, retirando-se da Globo. Claro que se trata de um direito legítimo.

O que é ilegítimo é aqueles que pensam assim desejarem impor sua visão a todos os demais. Isso representa até uma atitude antidemocrática, que em muitos casos inspira-se em ângulos religiosos. Mas assim agindo, de forma isolada estão querendo substituir até as manifestações das respectivas lideranças dos cultos. Aliás, cultos religiosos nada têm a ver com a arte.

O próprio Vaticano que em séculos passados apreendeu pinturas eróticas não as destruiu, ao contrário, guardou-as num museu somente aberto a intelectuais de ambos os sexos de alta representatividade. Esse museu nas sombras de Roma, inclusive, esteve sob a direção de um brasileiro que levou o meu saudoso amigo Antônio Houaiss a visitar o museu décadas atrás.

CONSTITUIÇÃO

No caso brasileiro, a censura encontra-se proibida pela própria constituição federal. No máximo quanto a peças de teatros e filmes pode haver a colocação de advertência de que se trata de exibição imprópria no máximo até 18 anos. O que significa isso? Significa que todos os aspectos da existência humana têm acesso liberado a partir dessa idade. Logo, os temas impróprios têm sua existência tacitamente reconhecida através da legislação. Um beijo homossexual assim pode ser considerado inadequado para adolescentes dos dois sexos, masdeve ser visto com serenidade pelos que ingressam na vida adulta.

E por falar em vida adulta me vem à lembrança as obras de outro saudoso amigo, Nelson Rodrigues, que sofreram várias interdições no passado. Hoje são exibidas com censura livre. Inclusive o Álbum de Família, sua peça que teve de superar obstáculos seguidos. Assim, pessoalmente, aconselho aos que se apresentam em defesa de um falso moralismo, que abram eles próprios seus álbuns de família e, com isso, vão inevitavelmente encontrar, como todos nós, situações pelo menos desagradáveis. Mas nem por isso menos verdadeiras.

MOMENTO DE ARTE

A presença do homossexualismo entre os seres humanos, abrangendo a bissexualidade, é mais comum do que se tenta fazer crer. Basta virar as páginas da memória. Uma dessas páginas está sendo magistralmente interpretada por Fernanda Montenegro e Natália Timberg.

 O beijo entre as duas foi apenas um momento de arte, essa mesma arte que imortaliza os gênios que a produzem e interpretam. Será sempre assim como vão provar os séculos do futuro que é interminável.

Um beijo é manifestação de afeto, no caso revestido de sensualidade. Se defendemos nossa própria manifestação de sensualidade, devemos aceitar a manifestação dos outros, diferentes de nós. Abaixo a censura, viva a liberdade.

30 de março de 2015
 Pedro do Coutto

Nenhum comentário:

Postar um comentário