"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 30 de março de 2015

O AVIÃO E A CORRUPÇÃO


 

Quem em sã consciência poderia cogitar que um avião comercial poderia ter no comando da aeronave um copiloto com transtornos mentais e desequilibrado. Ninguém, verdadeiramente, já que o adquirente do bilhete paga com a percepção que a função dos comandantes é segurança: evitar acidente e preservar a vida dos passageiros em quaisquer circunstâncias.

O mesmo se diga em relação à corrupção,o eleitor de voto obrigatório ou facultativo não pode acreditar que o seu representante no executivo ou no
legislativa vá se locupletar e abandonar o discurso de campanha em prol dos achaques e vantagens ilícitas. Duas situações e ambas as realidades que denotam uma confluência. Poderia ser o teatro do absurdo porém é uma verdade que machuca o mais indiferente dos cidadãos.

A empresa aérea alemã poderia dizer - como na política - eu não sabia de nada, sequer desconfiava que o jovem co piloto poderia apresentar uma reação deveras inacreditável, tal qual na política nossos líderes e chefes jamais desenham o que acontece nos escaninhos das administrações públicas.

Uma reforma na aplicação da lei processual penal é vital para o fortalecimento do sistema e o fim do regime de impunidade, sem o qual cavaremos a nossa própria sepultura de uma Nação que desacredita na moral, na ética e acima de tudo na legalidade institucional dos negócios empresariais.

Bem se pergunta: a empresa aérea tem responsabilidade, a famosa culpa em cartório, sem dúvida. Primeiro a idade é bastante jovem
para uma pessoa na função de co piloto. Segundo os exames devem ser rigorosos e o Hospital que atendeu poderia encaminhar diretamente para a companhia aérea um relatório sobre as condições as quais foram escondidas e encobertas pelo interessado.

Foram menos de dez minutos para mudar o comando do piloto automático em voo de cruzeiro para a descida brusca até 3 mil metros e espatifar nas rochas dos alpes franceses, uma tragédia que muito se assemelha ao primeiro caso do avião da Malásia que até hoje, depois de um ano, se desconhece, minimamente, seu paradeiro, e aonde teria caído com 250 pessoas a bordo.

O rastreamento por satélite deve ser mais eficiente, e além disso, as conversas da caixa preta mantidas em resguardo por monitoramento remoto, o que significa que haveria uma estação geradora e retransmissora das conversas que manteria todos os dados armazenados por até um ano. Seria um custo elevado, mas justificado quando se trata de vidas de pessoas inocentes, boa parte jovens e que foram destruídas por uma insanidade.

De modo igual não é um suicida que se projeta em direção à destruição, mas um microgenocida que extermina num ato insano centenas de pessoas que tinham esperanças de mudar o mundo e fazer história, não dessa forma absurda, mas sim em prol da humanidade.

O que se escreve é aplicável ao campo da corrupção. Quantas gerações são perdidas pela chaga dessa patologia sistêmica e mais grave é saber que vivemos um modelo de legislação processual penal benéfica, insta a construção de presídios somente para casos dessa natureza, delitos imprescritíveis, cujos valores afanados seriam prioritariamente retomados para o erário público.

A sociedade e mais de perto a mídia não podem engolir a panacéia da prisão após o trânsito em julgado e aqui reside uma crítica fundamental à constituição cidadã na construção do basilar princípio da presunção de inocência. Modernos países de plena democracia decretam as respectivas prisões e não aguardam o trânsito. Vejam o caso Madoff nos EUA quando o culpado nem pestanejou na confissão e mofará na cadeia até o final dos seus últimos dias.

Trata-se de uma questão de honra para o Estado. Notemos o caso Charlie Hebdo na França, no qual a polícia sequer vicejou prisão, porém baleou até a morte os assassinos. Se não matarmos o crime de corrupção ele se propagará com mais força e o mecanismo jamais visto na história desse País somente tem uma causa: a impunidade.

No dia seguinte à decretação da prisão desses maus e perversos elementos à sociedade teremos luzes no final do túnel e a renovação que o serviço público não será aquele de ontem, com educação verdadeira, transporte e saúde à altura dos impostos pagos e recolhidos. Donde a vinculação entre receita e despesa mataria o cerne da corrupção e nos seus limites ceifaria as mazelas da administração pública.

O Estado é por demais gigante. São mais de 5500 municípios, 27 Estados e milhares de repartições públicas. No seio desse modelo, a inadiável tentativa de se enxugar a maquina e transferir para a iniciativa privada a responsabilidade de uma concorrência plural e não somente de clubes que já de antemão conhecem os resultados das grandes concorrências públicas, cuja lei de licitação é incentivo para desconfigurar a principal diretriz de banir acordos escusos entre os concorrentes.

A referencia entre o avião derrubado adrede e a corrupção de pé e centenária mostra que há responsabilidades, por ação, omissão, até culpa consciente e mesmo dolo. O que não se aceita é o lavar as mãos, mesmo perto da semana santa.

No momento em que a mídia e alguns setores jogam a culpa no judiciário cometem um desassombro errático. Se pretendem uma justiça pequena e longe dos refletores dos grandes acontecimentos perderam a batalha. A cada dia mais depois do que assistimos no STF e agora na Justiça Federal de Curitiba, alguns poucos tentarão desestabilizar, outros confundir, e tantos mais defender o próprio umbigo.

A sociedade, maior agredida e única vítima de tudo, não se cala está atenta e sem arroubos exigirá que os culpados sejam punidos, o dinheiro roubado apreendido e devolvido, e que exista um fecho de luz que proteja o cidadão de bem. Prisão, cadeia e punição exemplares são os únicos remédios que matam a corrupção endêmica do Brasil. Qualquer outra receita é aplaudir o espetáculo deprimente que se assiste e defender a tese para a qual todos devemos nos locupletar.

Daí a reforma da legislação pede passagem para que os magistrados brasileiros com suas responsabilidades conduzam o Brasil para um tempo de moralidade, ética e principalmente de dignidade dos nossos representantes políticos.

30 de março de 2015
Carlos Henrique Abrão, Doutor em Direito pela USP com Especialização em Paris, é Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.

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