"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O HOMEM TAMBÉM É OBJETO SEXUAL

Amarrar e dar palmadinha excita muitos adultos. Se for consenso, é uma ferramenta erótica como tantas
E não poderia ser diferente. O livro pornô para amadores Cinquenta tons de cinza chegou ao telão precedido por uma histeria de marketing monumental. Uma histeria incompreensível a mulheres realizadas na horizontal e na vertical, que conseguem prazer pleno na troca real ou na fantasia sem freios. O roteiro é banal, infantil e chato para quem faz sexo de verdade na cama e fora dela. Com ou sem amor. De olhos abertos ou fechados.

Para as heterossexuais bem resolvidas, o homem é um objeto sexual. A mulher que gosta de homem se ocupa do prazer dele, se dedica a seu corpo. Não o corpo dela, mas o corpo dele, com todos os seus mistérios. Homem também tem mistério e ponto H. Não são máquinas de produzir orgasmos. Aliás, longe disso. Eles precisam de orientações femininas para ser bons de cama. Mulher que insiste em reduzir o homem só a “provedor” – de dinheiro ou prazer, ou ambos – não faz jus ao parceiro nem a si mesma.

Cansei de ver homem reclamando de mulheres com corpos sensacionais, que se deitam na cama, se olham no espelho e ficam ali, passivas e maravilhadas consigo mesmas, à espera da adoração e ação intensiva do parceiro. Ou mulheres que apagam a luz por vergonha de suas imperfeições como se fossem pecados contra o tesão. Nada afeta mais o tesão, próprio ou alheio, do que a baixa autoestima. E isso a personagem do livro e do filme, Anastasia Steele, tem de sobra. “Sou desastrada, malvestida e não sou loura” (!).

Outra incompreensão que se escuta nas conversas é a do recurso, interessante, do sadomasoquismo nas relações sexuais. No telão, o sadomasô excessivamente estético é ainda mais enfraquecido, por ficar muito aquém das fantasias. Como se sabe, o roteiro o transforma em contrato, como esses submetidos ao RH, com cláusulas e multas. Perde assim seu fator X: a imprevisibilidade, o frescor, a transgressão.

Nos ambientes acadêmicos ou feministas hard, surgiu agora uma discussão equivocada, fora do tom. Nos Estados Unidos, há um “movimento” para doar US$ 50 a abrigos de mulheres espancadas ou violentadas em vez de gastar para ver o filme. Gail Dines, professora de sociologia no Wheelock College, de Boston, diz que o filme glorifica relações de abuso.

“A história mostra um predador sexual sádico que persegue uma mulher bem mais jovem e abusa dela”, afirma a socióloga. “É um conto de fadas no sentido de não ser real, mas, na realidade, é uma história de terror vivida por muitas mulheres.” Hello! Que exagero. Nem essa importância o roteiro tem, a meu ver. Amarrar e dar palmadinha excita muitos adultos e, se for consenso, de brincadeira, sem machucar, torna-se uma ferramenta erótica como tantas.

O BSM – “b” de “bondage”, ou seja, de “amarrar” – está presente na vida ou nos sonhos de muitas mulheres, suas vizinhas ou companheiras ou colegas de trabalho ou parentes próximas, mesmo que seja sexualmente incorreto. Lamento que haja tanto desconhecimento ao se generalizar o desejo feminino – e o masculino também. Falta conversa, falta abertura, falta ousadia e sobra repressão nas relações de nosso cotidiano.

O livro é um fenômeno mundial. Vendeu mais de 100 milhões de exemplares em 52 línguas. Normalmente, livros são melhores que suas adaptações, pela profundidade e caracterização dos personagens. Mas, num livro tão ruim com diálogos tão melosos, a linguagem visual e resumida do cinema poderia produzir algo mais quente e visceral. Não foi possível. O filme segue rigorosamente a receita de sopão de clichês e a falta de sexo explícito.

A mocinha morre de excitação no filme quando morde o lábio inferior. O mocinho não permitiu nu frontal. Aaaahhh, que peninha. A desculpa oficial é que o ator é casado e acaba de ser pai pela primeira vez. Minha especulação é que talvez a cena decepcionasse as fãs do metido a garanhão Christian Grey, porque a gente sabe que, nas fantasias femininas, tamanho é documento.

Para sair molhadinha, só se cair uma chuva daquelas no fim da sessão e você estiver sem casaco impermeável. O que seria, ao menos, uma boa novidade em tempos de seca – digo seca líquida, falta de água, não de homem. Abram os olhos, moças, os homens estão por aí e, felizmente, não são bobos como o Christian Grey.


16 de fevereiro de 2015
Ruth de Aquino, Revista Época

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