A pequena cidade goiana de Piracanjuba foi o ponto de partida de Operação Coiote da Polícia Federal, que desmantelou uma quadrilha que transportou 49 brasileiros clandestinos para os Estados Unidos
Documentos apreendidos pela Polícia Federal na Operação Coiote (Divulgação/PF/VEJA)
O cotidiano da pequena Piracanjuba (GO), distante 74 quilômetros da capital Goiânia, é típico de uma cidade com pouco mais de 24.000 habitantes. O clima pacato, porém, esconde uma particularidade inusitada: é de lá que parte uma das principais rotas de imigração ilegal para os Estados Unidos, comparável em número de casos e relevância para as investigações policiais com Governador Valadares (MG), o maior polo de imigração para o território norte-americano. Foi em Piracanjuba que a Polícia Federal cumpriu na última terça-feira dois dos seis mandados de prisões preventivas expedidos durante a Operação Coiote, que desmantelou uma quadrilha responsável por transportar 49 brasileiros de forma clandestina para os Estados Unidos.
O esquema desmontado na cidade goiana era operado por agências de turismo localizadas em Goiânia e Governador Valadares, que cobravam até 30.000 reais para conseguir o visto de turismo por meio de documentos falsificados. As viagens eram operadas por coiotes – apelido para quem leva imigrantes brasileiros ilegais aos Estados Unidos. Entre os documentos falsos usados para driblar as exigências do consulado americano, a polícia encontrou contratos de trabalho forjados, declarações de Imposto de Renda fictícias e até vínculo falso com o corpo consular brasileiro e o Exército. Sem o visto, os imigrantes arriscam a sorte e se submetem a uma arriscada viagem de até 15 dias, que inclui situação de cárcere privado para evitar que chamem a atenção da polícia ou desistam no meio do caminho. Um desses coiotes, José Antônio Spinoza, mexicano com cidadania americana, está foragido e foi incluído na lista de procurados da Interpol.
O esquema desmontado na cidade goiana era operado por agências de turismo localizadas em Goiânia e Governador Valadares, que cobravam até 30.000 reais para conseguir o visto de turismo por meio de documentos falsificados. As viagens eram operadas por coiotes – apelido para quem leva imigrantes brasileiros ilegais aos Estados Unidos. Entre os documentos falsos usados para driblar as exigências do consulado americano, a polícia encontrou contratos de trabalho forjados, declarações de Imposto de Renda fictícias e até vínculo falso com o corpo consular brasileiro e o Exército. Sem o visto, os imigrantes arriscam a sorte e se submetem a uma arriscada viagem de até 15 dias, que inclui situação de cárcere privado para evitar que chamem a atenção da polícia ou desistam no meio do caminho. Um desses coiotes, José Antônio Spinoza, mexicano com cidadania americana, está foragido e foi incluído na lista de procurados da Interpol.
De acordo com as investigações, Spinoza recebia os clandestinos brasileiros em solo mexicano. Eles partiam de Piracanjuba, Goiânia, Aparecida de Goiânia, Governador Valadares, Uberlândia (MG), Vitória (ES), Rio de Janeiro (RJ) e Vilhena (RO) até o aeroporto internacional de São Paulo, onde embarcavam em voos regulares até a Cidade do México. De lá, a quadrilha cruzava mil quilômetros com os imigrantes em carros e vans até Reynosa, na fronteira com o Estados Unidos. Essa última etapa da viagem é a mais tensa. Segundo depoimentos colhidos pela Polícia Federal, os grupos ficam presos em casas de famílias mexicanas durante dias esperando o melhor momento para cruzar a fronteira e chegar à cidade de McAllen, no Texas. A travessia é feita a pé e chega a levar até quatro dias.
Muitos são presos pela polícia americana que atua nas fronteiras e outros encontram o fim da linha ainda no México. Segundo os policiais, um casal pagou para a quadrilha forjar uma identidade militar falsa e, assim, conseguiu entrar nos Estados Unidos com visto de turismo. A viagem deu certo, mas alguns dias depois, o pai voltou sozinho para buscar um familiar no Brasil e, ao tentar entrar no país novamente, a falsificação foi descoberta e ele foi deportado. No Brasil, ele aguarda apreensivo a chance de ver novamente a mulher e filho que não podem retornar pelo medo de serem descobertos pelas autoridades.
Apesar dos inúmeros riscos envolvidos na travessia clandestina, os grupos eram frequentes. Um deles, formado por quatro pessoas, partiria durante o feriado de Carnaval. “A ideia era aproveitar o maior fluxo de turistas para não levantar suspeitas”, diz o delegado regional executivo da PF em Goiânia, Umberto Ramos Rodrigues, que presidiu as investigações. A Operação Coiote encontrou imigrantes brasileiros ilegais nas cidades em Seattle, Washington, Atlanta, Newark, na região metropolitana de Nova York, Kansas e Missouri. Das 49 pessoas que encararam a viagem no últimos três anos, ao menos dez permanecem nos Estados Unidos, segundo estimativas da Embaixada Brasileira.
A rota traçada pela investigação é percorrida por imigrantes ilegais de vários países. Há relatos de pessoas que fizeram a travessia e encontrou diversas nacionalidades nos abrigos mantidos pelas quadrilhas. A polícia que atua na fronteira de Rio Grande Valley, região onde estão as cidades de Reynosa, no México, e McAllen, no Texas, é a que mais prende imigrantes ilegais. De acordo com o departamento americano de Segurança Interna, em 2013, foram presos cerca de 154.000 clandestinos tentando entrar no país pelas fronteiras do Rio Grande Valley – 36,7% do total de apreensões realizadas em todo o país no período.
A última estimativa feita pelo Centro de Pesquisas Pew, em 2012, aponta que 11,7 milhões imigrantes ilegais vivem nos Estados Unidos. A maioria (52%) é de nacionalidade mexicana – cerca de 6 milhões. Os brasileiros não documentados somam 100.000, segundo o centro de pesquisas, mas foi em 2007 que a consultoria registrou a maior concentração de brasileiros em situação irregular: 180.000 imigrantes.
O consulado brasileiro não soube precisar o número de piracanjubenses que vivem ilegalmente nos Estados Unidos, mas a relevância desse pequeno município na questão imigratória foi percebida pela Polícia Federal há cerca de três anos, quando tiveram início as investigações que culminaram na Operação Coiote. Piracanjuba entrou no radar por causa da quantidade acima do normal de pedidos de visto de turismo feito por militares – depois, descobriu-se que se tratava de documentos falsos fabricados pela quadrilha. A peculiaridade levou ao monitoramento do IP do computador que enviava do pequeno município de Goiás os protocolos de pedidos de vistos ao consulado americano. A partir disso, foi descoberta a rede de agências de turismo.
Apesar de transportar pessoas de forma ilegal para outro país, os indiciados não irão responder por tráfico internacional de pessoas, porque no Brasil o crime é tipificado apenas quando há comprovação de viagens para fim de exploração sexual. De acordo com o delegado Umberto Ramos Rodrigues, os acusados devem responder pelos crimes de falsidade ideológica e fraude.
A cidade goiana não é um foco de imigração clandestina por acaso. O fluxo migratório teve origem no início dos anos 1980, quando uma família local foi convidada para ir a Atlanta trabalhar para uma família de missionários pentecostais, que tinha negócios ligados à construção. Com o tempo, a conexão Marrieta, cidade na região metropolitana de Atlanta, e Piracanjuba se fortaleceu à medida em que parentes e amigos passaram a imigrar para viver com os brasileiros lá estabelecidos. “As mulheres se dedicam a trabalhos de limpeza doméstica e os homens atuam na construção. Aos poucos, as mulheres passaram a faturar tanto quanto os homens, a maioria mais”, diz o professor Alan Marcus, do Departamento de Geografia e Gestão Ambiental da Towson University, em Maryland, nos Estados Unidos.
De acordo com Marcus, a escolha por Atlanta como destino final começou no início da década de 1990, quando a cidade foi praticamente reconstruída para abrigar as Olimpíadas de 1996 e teve uma grande demanda de trabalhadores na construção civil, setor da economia que abriga a maioria dos imigrantes brasileiros nos Estados Unidos.
16 de fevereiro de 2015
Mariana Zylberkan
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