Quando a presidente reeleita Dilma Rousseff anunciou o executivo da área financeira Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, a direita reagiu com espanto e a esquerda, com raiva. No entanto, ela apenas seguiu o figurino de seu primeiro governo, inspirado em seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
No caso específico, ela foi buscar o profissional para decepar os nós da economia a serem enfrentados no segundo governo em dois lugares confiáveis: o segundo escalão da assessoria do adversário tucano, Aécio Neves, e a indicação do banqueiro amigo Lázaro de Mello Brandão, chefe do segundo maior banco privado do País e velho aliado.
O chamado mercado ficou perplexo porque não contava com a astúcia de nossa figura “chapolinesca”. Por falta de desconfiômetro e de sagacidade, os magnatas do negócio financeiro contavam com mais uma figurinha acadêmica carimbada do PT, nos moldes de Guido Mantega, o descartado, ou Aloizio Mercadante Oliva, a bola da vez na sinuca de madame. Ledo e “ivo” engano, dir-se-ia antigamente.
Este escriba, precavido, não se surpreendeu por dois motivos: primeiramente, por ter aprendido a entender os atos da alta cúpula petralha no poder, sempre opostos à retórica da propaganda com a qual engana o eleitorado; e, em segundo lugar, por se lembrar de, em palestra no Conselho de Economia da Fiesp, o respeitado macroeconomista Octavio de Barros, vice-presidente do Bradesco, ter feito em priscas eras apaixonadíssimo discurso de louvação à gestão econômica do nosso padim Ciço do Agreste.
Surpreenderam-se os desatentos que não prestaram atenção nesses aparentes detalhes, que, na verdade, são essenciais. O filmete dos banqueiros tomando a comida do trabalhador para associar Neca Setubal, do Itaú, com a adversária Marina Silva era apenas uma patranha de marqueteiro.
Como Napoleão espalhou a sábia lição de que “do traidor só se aproveita a traição”, aviso dado antes de mandar fuzilar o alcaguete que lhe delatou as posições das tropas inimigas, Dilma sabe que se ganha o voto com a mentira do marketing político, mas se governa com quem conhece o caminho real das pedras.
Pois então: avisou que ia convidar o presidente do banco amigo, Luiz Trabuco, e recebeu-o na companhia de seu Brandão, que vetou a solução, mas apresentou uma saída razoável na pessoa de Levy, ex-luminar da gestão lulista. O discurso do banqueiro rapace serve para levar os votos dos tolos. A boa gestão recomenda o uso da frieza dos dedos de tesoura disponíveis – a velha fábula de ganhar com a esquerda e guiar com a direita. Até porque, se não der certo, é só trocar. Não faltarão nomes no colete de seu Brandão.
Os futuros ministros do segundo governo que vêm sendo indicados também não foram inspirados nos discursos do palanque eletrônico, mas nas lições do mestre Maquiavel de Caetés. Que importa se a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu, assumiu a defesa sub-reptícia de uma “ordem medieval do trabalho” (apud Miriam Leitão) ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a implementação de normas explícitas a serem obedecidas pelos proprietários rurais, acusando-as de “preconceito ideológico contra o capitalismo”? A futura ministra é uma direitista do peito, amarrada à chefe por laços de afeto e admiração mútuos, assim como a Graciosa da Petrobrás.
Antes de nomear os novos ministros, a presidente tentou transferir parte de sua responsabilidade para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedindo acesso à delação premiada de Paulinho do Lula e de Beto Youssef para evitar nomear receptadores de propinas da roubalheira da Petrobrás.
O ex-relator do mensalão, Joaquim Barbosa, chamou a iniciativa de “degradação institucional”. O loquaz ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, confessou o absurdo, em vez de dar uma de João sem braço. Ficou claro que na nomeação de seu primeiro escalão a chefe do governo leva em conta apenas as notícias do dia, em vez de compulsar os prontuários de seus futuros auxiliares.
O líder da minúscula bancada governista do PRB na Câmara, George Hilton, vai tomar conta do Ministério do Esporte durante a Olimpíada no Rio, mesmo já tendo sido flagrado pela polícia carregando R$ 600 mil em pacotes de dinheiro vivo num avião privado.
Kátia Abreu, Eduardo Braga e Hélder Barbalho são réus na Justiça. Aldo Rebelo tem ficha limpa, mas isso não basta para, com as palavras de ordem pré-históricas do PCdoB, comandar a pasta de Ciência e Tecnologia. Deus nos acuda.
Cid Gomes foi escolhido para o Ministério da Educação, apesar de ter sido acusado de pagar com dinheiro público o aluguel de um avião particular para viajar com a família (a sogra inclusive) para a Europa. E de ter conquistado com mérito a fama de Mecenas do semiárido por pagar cachês altíssimos a cantores como Ivete Sangalo e Plácido Domingo. Não o recomenda ao cargo a acusação de ter reagido a uma manifestação de professores afirmando:
“Quem quer dar aula faz isso por gosto, não por salário. Se quer ganhar dinheiro, deixa o ensino público e vai pro privado”.
Sua saída do Partido Socialista Brasileiro (PSB), traindo Eduardo Campos para ficar com a presidente, que obteve votação espetacular no Ceará, o recomendou para o cargo muito mais do que o trabalho pioneiro de seu secretário adjunto de Educação, Maurício Holanda Maia, mais adequado para o cargo.
A reunião de bons burgueses com antigos delinquentes e derrotados nas urnas e o “museu de novidades” (apud Josias de Souza) não bastarão, contudo, para definir com justiça a Esplanada dos Ministérios sob Dilma 2.
Sua principal característica genérica é a mediocridade ampla, geral e irrestrita. A mediocridade tirânica, que não se basta, que tudo faz para se impor e governar, é a marca do governo que nos espera e do destino que nos fará engolir.
14 de janeiro de 2015
José Nêumanne Pinto, Publicado no Estadão
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