Para assumir o segundo mandato, Dilma interrompeu os banhos de Sol na praia que adorna a base naval de Aratu, na Bahia. No discurso de posse, queimou o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Reempossada, Dilma voltou à praia. Lendo os jornais, abespinhou-se.
E tostou o novo ministro do Planejamento, ordenando-lhe que divulgasse um autodesmentido.
De duas, uma: ou o sol da Bahia derreteu a memória de Dilma ou Levy e Barbosa entraram numa fria. A presidente faria um bem a si mesma se chamasse seus dois auxiliares econômicos para uma nova conversa.
Não se sabe o que disse a ambos quando os convenceu a assumir o abacaxi que herdou para si mesma. Mas já está claro que, expressando-se no mesmo idioma, os três se desentenderam.
Dilma queimou Levy no trecho do discurso inaugural em que virou a página da campanha presidencial. Para trás. A certa altura, ela disse: “As mudanças que o país espera para os próximos quatro anos dependem muito da estabilidade e da credibilidade da economia.” Por um instante, teve-se a impressão de que a oradora falaria sério. Mas ela retornou ao palanque na frase seguinte:
“Isso, para nós todos, não é novidade. Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade econômica, da centralidade do controle da inflação e do imperativo da disciplina fiscal, e a necessidade de conquistar e merecer a confiança dos trabalhadores e dos empresários.
Mesmo em meio a um ambiente internacional de extrema instabilidade e incerteza econômica, o respeito a esses fundamentos econômicos nos permitiu colher resultados positivos. Em todos os anos do meu primeiro mandato, a inflação permaneceu abaixo do teto da meta e assim vai continuar.”
Quem assistiu deve ter perguntado aos seus botões, que não responderam porque também não entenderam nada: “Se a economia encontra-se estabilizada, se os cofres públicos estão em ordem, se a inflação não fugiu ao controle e se os resultados são tão positivos, por que diabos Dilma mandou ao olho da rua o companheiro Guido Mantega?”
“Mais que ninguém sei que o Brasil precisa voltar a crescer”, disse Dilma noutro trecho. “Os primeiros passos desta caminhada passam por um ajuste nas contas públicas. […] Faremos isso com o menor sacrifício possível para a população, em especial para os mais necessitados.
Reafirmo meu profundo compromisso com a manutenção de todos os direitos trabalhistas e previdenciários.” Esse palavrório refrigerado não combina com o compromisso árido assumido por Levy, sob refletores, de entregar um superávit de 1,2% do PIB já em 2015. Em reais, isso significa algo como R$ 100 bilhões.
Contra esse pano de fundo, o “menor sacrifício possível” se parece muito com o sorvo de um gigante faminto.
Um dia depois da posse da presidente, assumiram seus postos alguns dos 39 ministros. Entre eles Nelson Barbosa. Já na pele de titular do Planejamento, ele deu uma entrevista. Indagado sobre a fórmula de reajuste do salário mínimo, sapecou: “Vamos propor uma nova regra para 2016 a 2019 ao Congresso nos próximos meses. Continuará a haver aumento real do salário mínimo”.
Levada às manchetes, a frase alcançou Dilma na praia. Irritada, ela tocou o telefone para Aloizio Mercadante, seu economista de cabeceira. Depois, ordenou a Barbosa que se imolasse em praça pública, desmentindo-se por escrito. Foi obedecida. Em sua nota, Barbosa foi curto e fino. Escreveu que “a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente.”
A regra vigente prevê que o mínimo sobe conforme a inflação do ano anterior, acrescida da variação do PIB de dois anos antes. Essa fórmula só vale até este ano de 2015. Para renová-la ou modificá-la, o governo terá de enviar um projeto ao Congresso. Barbosa apenas antecipou uma mudança que lhe parecia decidida.
Auxiliares de Dilma dizem que, de fato, o tema vinha sendo debatido internamente. Mas a presidente avaliou que o novo chefe do Planejamento atravessou o carro na frente dos bois. Nessa versão, Dilma só pretendia levar a novidade à vitrine no segundo semestre. Agora, babau.
Uma coisa é preciso dizer sobre Dilma: ela cada vez se dá melhor com ela mesma. Não fosse pela insistência de Lula, não teria dado o cavalo-de-pau econômico, sequestrando a agenda de ajustes do adversário tucano. Executada a guinada, a inadequação é cada vez mais evidente.
Dilma com Levy e Cia. a tiracolo vai passando a impressão de uma presidente que, no vaivém entre a praia baiana e o carpete brasiliense, vestiu o maiô de banho por cima do conjunto de saia e blusão que usou na posse.
No fundo, o modelito dos sonhos de Dilma é mesmo Guido Mantega, um ministro prêt-à-porter, pronto para ser usado. Uma evidência de que, como na moda, os gestores econômicos vão e vêm, mudam sempre; o ridículo é que é permanente.
Resta saber até que ponto Levy e Barbosa estão dispostos a aceitar a avacalhação.
14 de janeiro de 2015
Josias de Souza
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