Capitaneada pelo presidente do Senado e principal aliado do Planalto no Congresso, Renan Calheiros, a maioria governista da Casa deverá fazer tudo o que estiver ao seu alcance - e não é pouca coisa - para impedir que se cumpra efetivamente a liminar concedida na quarta-feira pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão respalda, sem margem para dúvidas, a demanda da oposição de que seja instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) exclusiva sobre a Petrobrás. A ministra, portanto, proibiu os solventes vertidos no pedido original - numa jogada combinada entre o PMDB de Calheiros, o PT e a presidente Dilma Rousseff - para diluir a investigação sobre suspeitas de variados graus de gravidade envolvendo atos e fatos ocorridos na estatal desde os anos Lula.
O estopim do inquérito, como se sabe, foi a espantosa admissão da presidente de que, em 2006, aprovou a compra de metade de uma refinaria em Pasadena, no Texas, apenas com base em um parecer favorável de página e meia.
Não bastasse essa cândida confissão de negligência, ela afirmou que, se soubesse à época o que viria a saber mais tarde, teria vetado o negócio - que fez a Petrobrás amargar um prejuízo de US$ 530 milhões.
O passivo de potenciais malfeitos na empresa inclui o aumento astronômico do gasto com a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A obra era para custar à Petrobrás US$ 2,3 bilhões.
O desembolso final deverá passar de US$ 20 bilhões. Há também a história dos US$ 139 milhões que teriam sido pagos a funcionários da petroleira por uma fornecedora holandesa, a SBM Offshore.
Por fim, a denúncia de que plataformas foram postas a operar em mar aberto sem os componentes essenciais de segurança.
Diante da proliferação de tais possíveis enormidades, a oposição no Senado fez o que devia: recolheu o número devido de assinaturas para a abertura de uma CPI sobre os fatos determinados, com prazo certo para acabar. Tudo, como se diz, nos conformes.
A reação da presidente - além de lançar contra a oposição a perfídia de que o seu intento era quebrar a espinha da maior empresa brasileira para facilitar, adiante, a sua privatização - consistiu em um golpe que beira o estarrecimento.
A base aliada contrabandeou para dentro da proposta de inquérito dois itens rigorosamente alheios às questões que a motivaram: o cartel do metrô de São Paulo (para atingir o PSDB de Aécio Neves) e ocorrências no porto pernambucano de Suape (para expor o ex-governador e pré-candidato presidencial Eduardo Campos, do PSB).
Isso feito, Renan cometeu a aberração de submeter o texto desfigurado à Comissão de Constituição e Justiça e em seguida ao plenário do Senado para ser aprovado pelas respectivas maiorias leais ao Planalto. Em defesa da versão original, a oposição recorreu ao Supremo Tribunal. Em defesa do Frankenstein, a base fez o mesmo.
No plano institucional, a decisão da ministra Rosa Weber ratifica o direito soberano das minorias parlamentares de propor investigações nos termos estabelecidos pela legislação.
No plano político, representa um duro revés para o governo, quaisquer que venham a ser as espertezas de que se valerem os seus agentes no Senado para impedir que a CPI se constitua e funcione. Há espaços regimentais de sobra para remeter uma coisa e outra às calendas. Cinismo tampouco faltará aos interessados.
Ainda mais neste ano em que os políticos se ocuparão das convenções partidárias de junho, sairão de férias em julho e mergulharão em agosto na campanha para a eleição nacional de outubro.
E tem mais: se e quando a comissão for instalada, tanto o seu presidente como o relator sairão das bancadas do PMDB e do PT. Mas a asfixia da CPI poderá ter um efeito bumerangue. A oposição decerto fará com que os casos da Petrobrás entrem na disputa sucessória, acentuando o papel de Dilma no rolo monumental de Pasadena.
A presidente ficou ainda mais vulnerável depois que o ex-titular da estatal José Sérgio Gabrielli disse ao Estado que ela "não pode fugir da responsabilidade" pelo negócio. Não será difícil mostrar que Dilma é quem enfraquece a Petrobrás ao acobertar sérios atos lesivos ao patrimônio da Nação brasileira.
27 de abril de 2014
Editorial O Estadão
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