As crises do IBGE e Ipea são diferentes, mas assustam igualmente. O IBGE tem feito, com independência, pesquisas que trazem números incômodos para o governo. O Ipea, desde Lula, tem sofrido desvio de função. O adiamento do cronograma da Pnad Contínua, que levou à demissão de Marcia Quintslr, foi estranho pelo momento e pela maneira como foi feito. O instituto se rebelou.
A Pnad Contínua vem sendo preparada há anos. Houve um esforço de explicação, treinamento, prévias, porque a transição é muito complexa. Esse trabalho começou há três anos e todo o cronograma foi decidido com antecedência e vinha sendo cumprido. Afinal, o objetivo é ter uma grande base de dados pesquisados em 211 mil domicílios de 3.500 municípios.
No desemprego, nas primeiras divulgações, ela trouxe uma informação valiosa para as políticas públicas e das empresas: o de que olhando-se o Brasil além das seis regiões metropolitanas, o desemprego é dois pontos percentuais maior. Não são índices comparáveis. Não se pode dizer que o desemprego subiu de 5% para 7%. Mas se pode dizer que, com um novo e mais amplo termômetro, o quadro do mercado de trabalho é diferente do que se imaginava.
Os economistas vêm dizendo que a baixa taxa de desemprego reduziu o crescimento potencial do Brasil. O que o novo número indica é que talvez haja mais espaço para crescer - e empregar - do que se imagina e que no interior há mais mão de obra desocupada. Entre os jovens, o número é muito maior do que já é na PME. No Nordeste, chegam a quase 20% os jovens que procuram e não encontram emprego.
O quadro do mercado de trabalho brasileiro é mais complexo do que supõe a visão apenas economicista. Dados mais nacionais melhoram o debate. Um mercado de trabalho estrangulado - sem oferta de trabalhadores - não se dá ao luxo de discriminar. O nosso permanece pagando 70% menos para mulheres no mesmo nível de escolaridade. Cria mais barreiras à entrada de negros e não quer investir na qualificação de jovens, apesar de eles entrarem no mercado com mais escolaridade que seus pais.
Tudo isso estava começando a ter dados mais nacionais e mais exatos. O problema é que o novo índice reduziu o brilho de um dos números a se mostrar na campanha: o da taxa de desemprego de 5%. Uma bobagem esse temor, até porque a nova taxa também mostra tendência de queda do desemprego.
Mas aí entrou em ação a chefe da tropa de choque do governo, senadora e ex-ministra chefe da Casa Civil e candidata ao governo do Paraná, Glesi Hoffmann. Ela e seu conhecido colega Armando Monteiro levantaram dúvidas sobre as margens de erro nos dados de renda. O instituto decidiu suspender a pesquisa e só voltar com ela em janeiro de 2015.
O IBGE tem 80 anos de bons serviços prestados ao país. Enfrentou com coragem a tentativa de interferência dos governo Sarney e Collor. A presidente Wasmália Bivar é uma funcionária de carreira que manteve a tradição de independência, mas o adiamento do cronograma e a saída de Márcia Quintslr deixaram um temor no ar.
O Brasil já sabe os estragos que este governo pode fazer em uma instituição pública. O problema do Ipea não é o de um percentual errado. Há muita gente séria e competente, até entre os atingidos por esse erro, trabalhando no órgão. Mas a direção do instituto tem se dedicado mais a agradar ao governo do que em ser a voz crítica interna que sempre foi.
O Ipea tradicionalmente usa a vasta e rica base de dados do IBGE, e outros bancos de dados, para fazer estudos reveladores. Ainda há quem trabalhe assim no órgão. Na gestão do ex-presidente Márcio Pochmann, virou um centro de autolouvação petista. Pochmann afastou-se para ser candidato à prefeitura de Campinas, pelo PT, mas perdeu a eleição.
Foi horrível o erro da pesquisa sobre violência contra a mulher, mas o pior é o Ipea estar se dedicando à pesquisa de opinião, que nunca foi sua função. Também não faz sentido ter uma sucursal na Venezuela.
Distorcer a função de um Ipea prejudica o país, mas interferir no instituto oficial de estatísticas é trágico. Torço para que tudo se esclareça e que a senadora Hoffmann guarde distância do órgão. Ele é um patrimônio do Brasil. Não pode ser visto como governamental. O IBGE é do Estado brasileiro.
14 de abril de 2014
Miriam Leitão, O Globo
A Pnad Contínua vem sendo preparada há anos. Houve um esforço de explicação, treinamento, prévias, porque a transição é muito complexa. Esse trabalho começou há três anos e todo o cronograma foi decidido com antecedência e vinha sendo cumprido. Afinal, o objetivo é ter uma grande base de dados pesquisados em 211 mil domicílios de 3.500 municípios.
No desemprego, nas primeiras divulgações, ela trouxe uma informação valiosa para as políticas públicas e das empresas: o de que olhando-se o Brasil além das seis regiões metropolitanas, o desemprego é dois pontos percentuais maior. Não são índices comparáveis. Não se pode dizer que o desemprego subiu de 5% para 7%. Mas se pode dizer que, com um novo e mais amplo termômetro, o quadro do mercado de trabalho é diferente do que se imaginava.
Os economistas vêm dizendo que a baixa taxa de desemprego reduziu o crescimento potencial do Brasil. O que o novo número indica é que talvez haja mais espaço para crescer - e empregar - do que se imagina e que no interior há mais mão de obra desocupada. Entre os jovens, o número é muito maior do que já é na PME. No Nordeste, chegam a quase 20% os jovens que procuram e não encontram emprego.
O quadro do mercado de trabalho brasileiro é mais complexo do que supõe a visão apenas economicista. Dados mais nacionais melhoram o debate. Um mercado de trabalho estrangulado - sem oferta de trabalhadores - não se dá ao luxo de discriminar. O nosso permanece pagando 70% menos para mulheres no mesmo nível de escolaridade. Cria mais barreiras à entrada de negros e não quer investir na qualificação de jovens, apesar de eles entrarem no mercado com mais escolaridade que seus pais.
Tudo isso estava começando a ter dados mais nacionais e mais exatos. O problema é que o novo índice reduziu o brilho de um dos números a se mostrar na campanha: o da taxa de desemprego de 5%. Uma bobagem esse temor, até porque a nova taxa também mostra tendência de queda do desemprego.
Mas aí entrou em ação a chefe da tropa de choque do governo, senadora e ex-ministra chefe da Casa Civil e candidata ao governo do Paraná, Glesi Hoffmann. Ela e seu conhecido colega Armando Monteiro levantaram dúvidas sobre as margens de erro nos dados de renda. O instituto decidiu suspender a pesquisa e só voltar com ela em janeiro de 2015.
O IBGE tem 80 anos de bons serviços prestados ao país. Enfrentou com coragem a tentativa de interferência dos governo Sarney e Collor. A presidente Wasmália Bivar é uma funcionária de carreira que manteve a tradição de independência, mas o adiamento do cronograma e a saída de Márcia Quintslr deixaram um temor no ar.
O Brasil já sabe os estragos que este governo pode fazer em uma instituição pública. O problema do Ipea não é o de um percentual errado. Há muita gente séria e competente, até entre os atingidos por esse erro, trabalhando no órgão. Mas a direção do instituto tem se dedicado mais a agradar ao governo do que em ser a voz crítica interna que sempre foi.
O Ipea tradicionalmente usa a vasta e rica base de dados do IBGE, e outros bancos de dados, para fazer estudos reveladores. Ainda há quem trabalhe assim no órgão. Na gestão do ex-presidente Márcio Pochmann, virou um centro de autolouvação petista. Pochmann afastou-se para ser candidato à prefeitura de Campinas, pelo PT, mas perdeu a eleição.
Foi horrível o erro da pesquisa sobre violência contra a mulher, mas o pior é o Ipea estar se dedicando à pesquisa de opinião, que nunca foi sua função. Também não faz sentido ter uma sucursal na Venezuela.
Distorcer a função de um Ipea prejudica o país, mas interferir no instituto oficial de estatísticas é trágico. Torço para que tudo se esclareça e que a senadora Hoffmann guarde distância do órgão. Ele é um patrimônio do Brasil. Não pode ser visto como governamental. O IBGE é do Estado brasileiro.
14 de abril de 2014
Miriam Leitão, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário