Se vivo fosse, o historiador Sergio Buarque de Holanda, autor da famosa frase dando conta de que o brasileiro é um povo cordial, provavelmente estaria hoje bastante frustrado e arrependido por tê-la um dia trombeteado.
Diante do impressionante aumento no número de homicídios em todo o território nacional, da barbárie que nos choca ao ver um cidadão punido por justiceiros e amarrado a um poste com cabo de aço, da ação de vândalos ao incendiarem, pelos mais diversos motivos, cerca de três ônibus por dia nas grandes metrópoles, dos arrastões nas praias e restaurantes, da extrema violência da classe política ao atuar visando somente à manutenção do poder, deixando de lado o interesse público, da macro-corrupção e da micro, predadora, que, por exemplo, vê a verba destinada à merenda escolar parar nas mãos de gestores indigestos, da agressão ao trabalhador quando lhe são negados serviços essenciais, como saúde pública, segurança, educação básica para seus filhos e mobilidade urbana digna, o nosso nobre intelectual tentaria elucidar, talvez sem muito sucesso, o que tinha na cabeça ao criar o conceito de cordialidade e como adaptá-lo a essa sociedade de agora.
Consta que numa atitude meio desesperada, tentou explicar, ainda à época da criação do mote, que não se tratava de atribuir ao brasileiro uma postura de doçura mas de qualificar um produto cultural que agia de acordo mais com o coração (daí o cordial) do que com a razão.
A verdade porém é que o conceito que ficou incorporado para sempre foi o primeiro.
Com isso, originou-se e vem-se agravando nesses tempos atuais dominados pelo PT, uma dicotomia desconfortável, reveladora de que todas as violências mencionadas, e mais algumas, estão a transformar o homem brasileiro num ser rancoroso, sem a mínima fé na autoridade e ansioso por transparência e honestidade.
É de todo aconselhável, portanto, que as classes dirigentes parem de acreditar, como até hoje o fizeram, que as crises que ora estão a se agigantar, cheguem a bom termo somente por conta da pendor pacífico do povo. Urge que entendam que os tempos mudaram, que comecem a trabalhar no sentido de ouvir a verdadeira voz que vem das ruas e que assumam suas responsabilidades para com a sociedade no sentido de transformá-la em um grupo realmente cordial, qualquer que seja o sentido da palavra.
Caso contrário é licito esperar-se a curto prazo o desenvolvimento de um clima fidagal de confrontos e impasses.
14 de fevereiro de 2014
Paulo Roberto Gotaç é Capitão de Mar e Guerra, reformado.
Paulo Roberto Gotaç é Capitão de Mar e Guerra, reformado.
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