É do interesse nacional do Brasil de alguma forma apoiar a Argentina, se as coisas se complicarem
Alguém já disse, examinando a história, que não é verdade que as sociedades só caminham para a frente. A chance de retroceder é quase a mesma de avançar. Nada do que foi conquistado está garantido para sempre. A presente agonia da Argentina é mais uma triste lição sobre a fragilidade das conquistas humanas.
No começo do século 20, a Argentina era uma das nações mais ricas do mundo, com recursos naturais aparentemente ilimitados e uma renda por habitante superior à da maioria dos países hoje desenvolvidos. Atualmente, sua renda per capita é de pouco mais de US$ 11.000 anuais, no mesmo nível dos demais países emergentes.
Sua economia está em ruínas, com produção estagnada e inflação de 30% ao ano. O desabastecimento é generalizado, as reservas cambiais estão no limite mínimo de segurança, esgotando-se rapidamente. Por fim, o país está com acesso vedado a todos os mercados de crédito internacional, privados e públicos.
O destino da Argentina é uma mostra apavorante do que pode fazer a loucura política. Um território pleno de riquezas e uma população educada não foram capazes de deter a destruição provocada por políticas públicas ruinosas inspiradas no populismo e na mais irresponsável demagogia.
Embora tudo tenha começado pelas mãos de um homem, a ruína argentina é uma obra coletiva, uma criação de muitos governos, de muitos políticos e até mesmo de uma parte do povo.
Olhar para a Argentina de hoje e para o caminho que se descortina à sua frente deve nos servir de advertência para o potencial destrutivo de decisões políticas equivocadas. As ideologias e a covardia diante de demandas insensatas podem arruinar uma sociedade por gerações.
Para o Brasil, no entanto, contemplar o declínio argentino com indiferença não é uma alternativa. Como dizem os diplomatas do Itamaraty, nossas relações com a Argentina não são uma escolha, são um destino.
Nossas economias têm se integrado progressivamente, apesar dos problemas. Em alguns setores, como o automobilístico, já há um alto grau de complementaridade, com um volume de comércio bilateral superior a US$ 15 bilhões.
Cerca de um quarto das importações argentinas provêm do Brasil e, em grande medida, são compostas de produtos manufaturados, que não conseguimos exportar para o resto do mundo.
No conjunto, temos obtido seguidos saldos comerciais, que só não são maiores em razão de medidas protecionistas. Elas podem ser explicadas pelo rápido esgotamento das reservas cambiais argentinas e por sua incapacidade de financiar o balanço de pagamentos nos mercados financeiros.
Quando penso em tudo isso, chego à conclusão de que é do interesse nacional do Brasil de alguma forma apoiar a Argentina, se as coisas se complicarem, como é previsível. Se suas reservas se esgotarem e a taxa de câmbio disparar, desorganizando a economia e provocando um nível de inflação que desestabilize a própria sociedade, teremos que ter algum plano para socorrer o nosso vizinho e destino de boa parte das nossas exportações.
A grande questão é que, se forem mantidas as atuais políticas e o governo argentino continuar culpando empresários e economistas por problemas que derivam de fatores reais, qualquer ajuda será inútil. Tomar decisões difíceis nas áreas fiscal e monetária, além de abrir as instituições e o comércio para a iniciativa privada, são as escolhas que restam para salvar o país.
Nesse diapasão, o eventual socorro brasileiro deve ser parte de um pacote maior, condicionado à adoção de mudanças econômicas efetivas. Se houver condições políticas para tanto, deveremos apoiar uma iniciativa internacional, que poderia ser comandada pelo FMI e pelo Banco Mundial, entidades apropriadas para gerir programas de resgate.
É preciso pensar nessas ou em outras formas para apoiar a Argentina nos ajustes necessários na sua economia. É novamente uma emergência. Porém, desta vez, as medidas têm que ser de longo prazo.
Mas o Brasil não tem o direito de fazer recomendações a um país soberano, orgulhoso de seu direito de errar. Nada vai adiantar se a Argentina não se ajudar.
Alguém já disse, examinando a história, que não é verdade que as sociedades só caminham para a frente. A chance de retroceder é quase a mesma de avançar. Nada do que foi conquistado está garantido para sempre. A presente agonia da Argentina é mais uma triste lição sobre a fragilidade das conquistas humanas.
No começo do século 20, a Argentina era uma das nações mais ricas do mundo, com recursos naturais aparentemente ilimitados e uma renda por habitante superior à da maioria dos países hoje desenvolvidos. Atualmente, sua renda per capita é de pouco mais de US$ 11.000 anuais, no mesmo nível dos demais países emergentes.
Sua economia está em ruínas, com produção estagnada e inflação de 30% ao ano. O desabastecimento é generalizado, as reservas cambiais estão no limite mínimo de segurança, esgotando-se rapidamente. Por fim, o país está com acesso vedado a todos os mercados de crédito internacional, privados e públicos.
O destino da Argentina é uma mostra apavorante do que pode fazer a loucura política. Um território pleno de riquezas e uma população educada não foram capazes de deter a destruição provocada por políticas públicas ruinosas inspiradas no populismo e na mais irresponsável demagogia.
Embora tudo tenha começado pelas mãos de um homem, a ruína argentina é uma obra coletiva, uma criação de muitos governos, de muitos políticos e até mesmo de uma parte do povo.
Olhar para a Argentina de hoje e para o caminho que se descortina à sua frente deve nos servir de advertência para o potencial destrutivo de decisões políticas equivocadas. As ideologias e a covardia diante de demandas insensatas podem arruinar uma sociedade por gerações.
Para o Brasil, no entanto, contemplar o declínio argentino com indiferença não é uma alternativa. Como dizem os diplomatas do Itamaraty, nossas relações com a Argentina não são uma escolha, são um destino.
Nossas economias têm se integrado progressivamente, apesar dos problemas. Em alguns setores, como o automobilístico, já há um alto grau de complementaridade, com um volume de comércio bilateral superior a US$ 15 bilhões.
Cerca de um quarto das importações argentinas provêm do Brasil e, em grande medida, são compostas de produtos manufaturados, que não conseguimos exportar para o resto do mundo.
No conjunto, temos obtido seguidos saldos comerciais, que só não são maiores em razão de medidas protecionistas. Elas podem ser explicadas pelo rápido esgotamento das reservas cambiais argentinas e por sua incapacidade de financiar o balanço de pagamentos nos mercados financeiros.
Quando penso em tudo isso, chego à conclusão de que é do interesse nacional do Brasil de alguma forma apoiar a Argentina, se as coisas se complicarem, como é previsível. Se suas reservas se esgotarem e a taxa de câmbio disparar, desorganizando a economia e provocando um nível de inflação que desestabilize a própria sociedade, teremos que ter algum plano para socorrer o nosso vizinho e destino de boa parte das nossas exportações.
A grande questão é que, se forem mantidas as atuais políticas e o governo argentino continuar culpando empresários e economistas por problemas que derivam de fatores reais, qualquer ajuda será inútil. Tomar decisões difíceis nas áreas fiscal e monetária, além de abrir as instituições e o comércio para a iniciativa privada, são as escolhas que restam para salvar o país.
Nesse diapasão, o eventual socorro brasileiro deve ser parte de um pacote maior, condicionado à adoção de mudanças econômicas efetivas. Se houver condições políticas para tanto, deveremos apoiar uma iniciativa internacional, que poderia ser comandada pelo FMI e pelo Banco Mundial, entidades apropriadas para gerir programas de resgate.
É preciso pensar nessas ou em outras formas para apoiar a Argentina nos ajustes necessários na sua economia. É novamente uma emergência. Porém, desta vez, as medidas têm que ser de longo prazo.
Mas o Brasil não tem o direito de fazer recomendações a um país soberano, orgulhoso de seu direito de errar. Nada vai adiantar se a Argentina não se ajudar.
08 de fevereiro de 2014
Kátia Abreu, Folha de SP
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