Nos últimos três anos, tribunal informou que tem cerca de 6,3 mil usuários, enquanto, na verdade, plano não conta com mais de 4,2 mil
O Supremo Tribunal Federal (STF) inflou a quantidade de beneficiários do plano de saúde do órgão para receber um repasse maior de recursos da União usados na assistência médica e odontológica dos servidores. Pelo menos nos últimos três anos, a instância máxima do Judiciário informou à Secretaria de Orçamento Federal (SOF) que o STF-Med — um plano de autogestão — tem entre 6,1 mil e 6,7 mil titulares, dependentes e agregados, enquanto, na verdade, o plano não conta com mais de 4,2 mil usuários. A informação sobre o número de beneficiários é determinante para a previsão de recursos no Orçamento da União. O número real foi informado para o Orçamento de 2014, mas um acordo entre o STF e a SOF garantiu a mesma previsão de recursos de 2013: R$ 14,5 milhões.
O STF-Med é um plano mantido tanto com contribuições dos beneficiários quanto com dinheiro público. A dependência aos recursos da União é expressiva, superando 50% das receitas anuais. A cada elaboração do Orçamento, o tribunal precisa informar à SOF o “número efetivo de beneficiários nas respectivas metas”, como prevê a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Esse número, somado ao histórico de despesas com assistência médica, define o tamanho dos repasses a cada órgão. O STF não precisa enviar uma lista com nomes de beneficiários. Apenas informava o número total.
O Supremo vinha informando uma quantidade maior de pessoas vinculadas ao plano de saúde do que a real existência. Nos últimos três anos, o STF-Med recebeu R$ 15 milhões por ano da União, em média. Se fossem excluídos os dados inflados — os 2,5 mil beneficiários a mais —, os repasses ficariam proporcionalmente em R$ 9,4 milhões.
A SOF, vinculada ao Ministério do Planejamento, precisou emitir três alertas ao STF, por meio de ofícios encaminhados ao tribunal. O Supremo, por sua vez, sustenta que a SOF fez um “único contato sobre o assunto”, em dezembro de 2012. O ofício da SOF questionava a grande discrepância entre o número real de beneficiários do plano de saúde informado pelo próprio Supremo em outubro daquele ano — 4.227 pessoas — e o valor repassado para inclusão na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2013 — 6.720 beneficiários. Foi este o valor mantido no Orçamento deste ano.
A SOF explica que a LDO para 2013 passou a prever uma nova obrigação a todos os poderes: a publicação da quantidade de beneficiários em tabelas específicas. Em setembro de 2012, o STF publicou uma portaria com a quantidade de beneficiários do plano de saúde: 4.227. Mas o número não foi levado em conta para o Orçamento de 2013.
O último alerta da SOF chegou ao STF pouco depois de o ministro Joaquim Barbosa assumir a presidência da Corte, mas, segundo a assessoria do STF, “a proposta orçamentária para 2013 já havia sido encaminhada”. Tanto o presidente do Supremo quanto a presidente do Conselho Deliberativo do STF-Med, ministra Rosa Weber, foram alertados sobre os dados inflados para o recebimento de recursos da União.
A nova proposta de previsão orçamentária para 2014 corrigiu o que a SOF havia apontado, mas o número de servidores informados permanece inflado. Isso porque na conta dos 4,2 mil beneficiários estão incluídos 1,6 mil titulares, pouco mais de 2 mil dependentes e quase 600 agregados — pais, mães, padrastos e madrastas com renda própria; filhos e enteados com mais de 24 anos e sem renda própria; e filhos e enteados, entre 21 e 24 anos, que não sejam estudantes. Os agregados não podem ter as despesas com saúde custeadas com dinheiro público, como informou o próprio STF. Mas o tribunal confirmou ao GLOBO que inclui esse grupo no cálculo que eleva o número de beneficiários a 4,2 mil, número utilizado para pedir dinheiro da União. O Supremo garante, no entanto, que apesar de ter usado os agregados na conta enviada à SOF, eles não são beneficiados por recursos públicos, como determina o regimento interno do plano de saúde da Corte.
São beneficiários do STF-Med os ministros em atividade e aposentados; servidores ativos e aposentados; comissionados; servidores cedidos ao STF; cônjuges, filhos, pais e mães; entre outros. As contribuições variam de R$ 43 a R$ 661 — este último valor é pago por agregados com mais de 59 anos. Os recursos públicos custeiam despesas médicas e odontológicas realizadas por titulares e dependentes, com pagamentos diretos aos prestadores. Em algumas situações, é feito o ressarcimento das despesas aos servidores.
A discrepância entre a quantidade real de beneficiários e o número informado para a previsão de recursos da União chegou a contar com uma justificativa errada na própria prestação de contas do STF referente ao ano de 2012. O relatório de auditoria de gestão daquele ano, disponível no site do tribunal, registra que “a meta física associada é referente aos atendimentos médios mensais”. “Em 2012, (a média mensal) atingiu o número de 4.226 atendimentos, com capacidade instalada para 6.720, portanto, dentro da possibilidade de cobertura”, cita o relatório. Na verdade, o número da meta não é de atendimentos médios mensais, mas de beneficiários do plano. Ao GLOBO, O STF reconheceu o erro.
Em 2009, reportagem do GLOBO mostrou a mesma maquiagem no Senado. O número de beneficiários informado era quase o dobro do real, ampliando os repasses da União. Depois da reportagem, o Senado interrompeu a prática.
15 de dezembro de 2013
Vinicius Sassine - O Globo
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