O pobre não é burro, mas traz em sua bagagem vivencial um desnível cultural enorme frente a quem tem bom capital econômico e cultural familiar. No exame do Enem, claro, sua nota é bem inferior à daqueles que estudam em colégios particulares de bom ensino e que ainda contam com um excelente capital familiar cultural (a diferença média na redação, computando-se as mais de 3,8 milhões de provas de 2011, é de quase 200 pontos). Já se sabe previamente de quem será a vaga no ensino superior gratuito.
A desgraça da desigualdade socioeconômica não reside apenas no baixo capital econômico dos de baixo, sim, no seu precário capital cultural. A meritocracia é um valor positivo, mas deve ser precedida das iguais oportunidades educacionais (que pressupõe alteridade, solidariedade, mudança do arquétipo patriarcal).
Se não colocarmos todo mundo em pé de igualdade em termos de conhecimento, a meritocracia (no acesso à escola pública superior) vira aeticracia vergonhosa. O mínimo ético exige mudança na nossa cultura. A primeira consiste em abrir os olhos para a realidade. Tornar visível o que é invisível, ou seja, a desigualdade brutal que acompanha nossa sociedade fundada no arquétipo patriarcal da desigualação, da hierarquização, da aristocratização.
A política de dar o peixe só é sustentável em curto prazo, porque o correto é ensinar a pescar, porém, em pé de igualdade (todos devem ter as mesmas ferramentas, os mesmos ingredientes, as mesmas informações). E isso só se consegue (quando se consegue) com o ensino público de qualidade obrigatório, em período integral, até os 18 anos. Devemos fazer no Brasil o que foi feito, por exemplo, na Coreia do Sul.
Por que não seria assim?
Um dos valores mais destacados do atual modelo capitalista neoliberal reside na competição (concorrência). Meritocracia é a palavra mágica. Nada contra ela. Ao contrário. Possui mesmo um grande significado. Retrata o valor e o esforço individual de cada um. Mas nossa cultura só quer meritocracia de fachada.
Os pais privilegiados fazem de tudo para que seus filhos sejam “filhos da folha” (de pagamento do estado sem concurso público). É evidente que a competição meritocrática somente é ética numa sociedade em que as pessoas concorrem em pé de igualdade nos conhecimentos.
Em sociedades extremamente injustas como a brasileira, os processos públicos de competição tornam visíveis as desigualdades que, no entanto, continuam invisíveis (porque os que estão na camada de cima imoralmente e cinicamente não querem ver nunca as amarguras dos de baixo). Ausência de compaixão, onde sobra malícia. Egoísmo eclipsando o altruísmo. Um dia temos que parar para analisar nossa cultura cínica (desavergonhada, sem escrúpulos, sem pudor, debochada). E, certamente, veremos os crassos erros que cometemos em termos de construção de uma sociedade sustentável.
16 de novembro de 2013
Luiz Flávio Gomes
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