E se de repente, um dia desses, ficasse demonstrado por A + B que o grande problema do Brasil, acima de qualquer outro, é a burrice? Ninguém está aqui para ficar fazendo comentários alarmistas, prática que esta revista desaconselha formalmente a seus colaboradores, mas chega uma hora em que certas realidades têm de ser discutidas cara a cara com os leitores, por mais desagradáveis que possam ser.
É possível, perfeitamente. que estejamos diante de uma delas neste momento: achamos que a mãe de todos os males deste país é a boa e velha safadeza, que persegue cada brasileiro a partir do minuto em que sua certidão de nascimento é expedida pelo cartório de registro civil, e o acompanha até a entrega do atestado de óbito, mas a coisa pode ser bem pior que isso. Safadeza aleija, é claro, e sabemos perfeitamente quanto ela nos custa ─ basicamente, custa todo esse dinheiro que deveria estar sendo aplicado em nosso favor mas que acaba se transformando em fortunas privadas para os amigos do governo, ou é jogado no lixo por incompetência, preguiça e irresponsabilidade. Mas burrice mata, e para a morte, como também se sabe, não existe cura. Ela está presente pelos quatro cantos da vida nacional.
Um país que tem embargos infringentes, por exemplo, é um país burro ─ não pode existir vida inteligente num sistema em que, para cumprir a lei, é preciso admitir a possibilidade de processos que não acabam nunca.
Também não há atividade cerebral mínima em sociedades que aceitam como fato normal trens que viajam a 2 quilômetros por hora, a exigência de firma reconhecida, o voto obrigatório e assim por diante.
A variedade a ser tratada neste artigo é a burrice na vida política. Ela é especialmente malvada, pois age como um bloqueador para as funções vitais do organismo público — impede a melhora em qualquer coisa que precisa ser melhorada, e ajuda a piorar tudo o que pode ser piorado.
A manifestação mais maligna desse tipo de estupidez é a imposição, feita pelo governo, e a sua aceitação passiva, por parte de quase todos os participantes da atividade política brasileira, da seguinte ideia: no Brasil de hoje só existem dois campos. Um deles, o do governo, do PT, da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, é o campo do “bem”; atribui a si próprio as virtudes de ser a favor da população pobre, da verdadeira democracia, da distribuição de renda, da independência nacional e tudo o mais que possa haver de positivo na existência de uma nação. É, em suma, a “esquerda”.
O outro, formado automaticamente por quem discorda do governo e dos seus atuais proprietários, é o campo do “mal”. A ele a máquina de propaganda oficial atribui os vícios de ser a “elite”, defender a volta da escravidão, conspirar para dar golpes de Estado, brigar contra a redução da pobreza e apoiar tudo o mais que possa haver de horrível numa sociedade humana.
É, em suma, a “direita”. O efeito mais visível dessa prática é que se interditou no Brasil a possibilidade de haver um centro na vida política. Ou você está com Lula-Dilma ou vai para o inferno: “crê ou morre”, como insistia a Inquisição da Santa Madre Igreja.
Essa postura é um insulto à capacidade humana de pensar em linha reta, que continua sendo a distância mais curta entre dois pontos. O Brasil não é feito de extremos; isso simplesmente não existe em nenhum país democrático do mundo. Abolir o espaço para um centro moderado é negar às pessoas o direito de pensar com aquilo que lhes parece ser apenas bom-senso, ou a lógica comum.
Por que o cidadão não poderia ser, ao mesmo tempo, a favor do Bolsa Família e contra a conduta do PT no governo? É dinheiro de imposto; melhor dar algum aos pobres do que deixar que roubem tudo, (o programa, aliás, foi criado por Fernando Henrique; de Júlio César para cá, passando por Franklin Roosevelt, dar dinheiro ou comida direto ao povão é regra básica de qualquer manual de sobrevivência política.)
Qual é o problema em defender a legislação trabalhista e, ao mesmo tempo, achar que quem rouba deve ir para a cadeia? O que impediria alguém de ser a favor do voto livre e contra o voto obrigatório? Nada, a não ser a burrice que obriga todos a se ajoelharem diante do que o PT quer hoje, para não serem condenados como hereges.
É por isso que no Brasil 2013 Fernando Gabeira, Marina Silva e tantos outros que querem pensar com a própria cabeça são de “direita”, segundo os propagandistas do governo. Já Paulo Maluf, José Sarney etc. são de esquerda.
Vida inteligente?
02 de novembro de 2013
J. R. GUZZO
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