Estatal chinesa sócia da Petrobras no campo de Libra — a maior reserva de pré-sal — sofre devassa por corrupção
O assunto passou praticamente em branco no avassalador noticiário sobre o recente leilão para exploração do campo de Libra, a maior reserva de petróleo na camada de pré-sal descoberta até hoje. Mas o fato é que uma das empresas integrantes do consórcio vencedor, a gigantesca estatal chinesa China National Petroleum Corporation (CNPC), está sendo alvo da mão de ferro contra a corrupção que o novo presidente da China, Xi Jinping, anunciou ao tomar posse, há um ano.
Um colosso que fatura quase meio trilhão de dólares por ano e comanda uma rede de subsidiárias, a CNPC é um dos esteios da economia chinesa e virou alvo do presidente justamente pelo seu porte — e, claro, pelo que ocorria lá dentro.
Quem achava que a campanha de Xi tinha efeitos propagandísticos passageiros surpreendeu-se quando o presidente, depois de formalmente ouvido o órgão de controle e disciplina do Partido Comunista Chinês, mandou afastar da CNPC alguém que era mais do que um chefão da empresa, mas também uma figura em ascenção na complexa política chinesa — o vice-presidente da companhia,Wang Youngchun, assim como o vice-presidente da PetroChina, uma filial da CNPC, Ran Xinquan, e mais dois altos dirigentes – todos eles da mesma forma dinamitados dos cargos que ocupavam no Partido.
A chacoalhada na empresa que detém 10% do consórcio vencedor do leilão de Libra já era esperada por conhecedores da política chinesa desde que, em um corta-cabeças anterior, caíra Jian Jieming, justamente diretor do órgão encarregado de supervisionar as enormes empresas públicas chinesas.
Como de hábito no fechado regime chinês, o governo não divulgou os motivos concretos dos afastamentos, embora os dirigentes já estivessem sob a acusação formal de ter cometido “graves violações de disciplina”, maneira eufemística que, na China, costuma ser utilizada para encobrir o embolsar de subornos ou outros atos de corrupção.
A ação de limpeza não se limitou à alta cúpula, mas também se estendeu de forma radical e fulminante empresa afora: nada menos do que 1.000 altos e médios executivos da gigante petroleira receberam ordens de entregar os passaportes à polícia e informar periodicamente seu paradeiro às autoridades. No final das investigações, centenas podem ir para a rua — e para a cadeia.
Um episódio dramático nesse processo – e também um sinal de que a coisa parece mesmo ser para valer – foi a morte de uma alta executiva de uma das principais fornecedoras da CNPC, a Sichuan Star Cable (cujo nome se manteve em sigilo): ela se suicidou atirando-se do alto de um edifício de Chengdu, a capital da província de Sichuan. O presidente da empresa e dois diretores deixaram de comparecer ao local de trabalho há três meses, coincidindo com o início das investigações sobe a CNPC.
Quando o presidente Xi Jinping assumiu o cargo, alguns especialistas em assuntos chineses previram “novos tempos”, em especial no combate ao câncer que se alastra pelas instituições do país e é uma das principais causas de insatisfação da sociedade – a corrupção de agentes públicos.
Ao anunciar que iria baixar o porrete, Xi lançou mão de uma das tradicionais metáforas utilizadas pelos líderes comunistas chineses, anunciando que, no Partido e no Estado, seriam investigados “tanto tigres como moscas”. Mas outros dirigentes já haviam feito, no passado, promessas do mesmo tipo, sem que grandes mudanças fossem observadas no cenário de roubalheira e outras irregularidades que campeiam no aparato estatal, e as previsões caíram na vala comum do ceticismo.
Xi Jinping, porém, já nas primeiras semanas – conforme registramos no blog – voltou a falar grosso, atacando “vadiagem e roubo” dentro do governo e extinguindo privilégios e mordomias em um dos sacrossantos e em geral intocáveis baluartes do regime chinês, o Exército.
Depois, causando grande impacto junto à opinião pública e repercutindo fortemente no exterior, veio o longo e ruidoso julgamento do popular e influente ex-líder Bo Xilai, ex-prefeito, ex-governador de província, ex-ministro, ex-chefe do Partido em Chongking – distrito no Sudoeste da China com 7 milhões de habitantes na capital e 34 milhões em sua área de influência – condenado à prisão perpétua por supostos corrupção e abuso de poder. Aos 57 anos, Bo por pouco escapou da pena de morte.
Mas, na China como em qualquer parte, a luta contra a corrupção encerra também uma disputa pelo poder, ou a reafirmação de quem o exerce.
No caso, o novo presidente parece estar querendo minar a influência ainda mantida por Zhou Yongkang, ex-membro do poderoso Politburo (o pequeno núcleo de 25 principais dirigentes do Partido Comunista, sete dos quais — os integrantes do Comitê Permanente — detêm o poder real) e ex-chefe do chamado Comitê Central Político e Legislativo, organismo que disfarça, sob esta nomenclatura inocente, a tarefa de supervisionar os órgãos de segurança e as instituições policiais da China.
O ex-czar da segurança foi governador da província de Sichuan, de onde também é originária a maioria de seus protegidos que vêm caindo em desgraça. Há rumores de que Zhou, afastado de suas funções em novembro, está sob prisão domiciliar. Seu filho, Zhou Bin, também ocupante de cargo importante no Partido, foi preso há três meses em Chengdu.
Tal como os demais, o problema de Zhou parece ter sido sua proximidade com o hoje maldito Bo Xilai.
02 de novembro de 2013
Ricardo Setti - Veja
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