"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

JUÍZES IRRESPONSÁVEIS PRECISAM SOFRER PUNIÇÕES DE FORMA EXEMPLAR


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Charge do Lane (Arquivo Google)
Muito, ou quase tudo, já foi dito a respeito do episódio em que um juiz incompetente (usada a palavra na sua acepção jurídica), por meio de uma decisão teratológica (monstruosa, anômala), usurpou, de uma só penada, sem bulha nem matinada, a jurisdição do STJ e do STF, passando por cima do próprio tribunal que integra, para determinar a soltura de um ex-presidente da República, com fundamento num “fato novo” mais antigo que as pirâmides do Egito.
Exatamente por isso, este artigo não tem a pretensão de fazer a resenha das ilegalidades provindas de uma decisão judicial que mais espavoriu o mundo jurídico do que Sir Simon assombrou Canterville Chase – ou Hamlet assustou a Dinamarca.
OUTRA QUESTÃO – O penoso espetáculo (para a Justiça e para a segurança jurídica), protagonizado pelo Desembargador Federal plantonista, põe à mostrança – “na anatomia horrenda dos detalhes”, para repetir o poeta Augusto dos Anjos – outra questão, ainda mais aterrorizante, que merece ser discutida e colocada em pauta: vivemos, ainda hoje, no Brasil, em pleno século XXI, uma forma de justiça “doméstica” ou “corporativa”, ou já avançamos no caminho da “responsive law”, especialmente no tocante ao problema da responsabilização judicial  e disciplinar dos magistrados?
A matéria é pertinente, pois como dizia Piero Calamandrei “não é honesto (…) refugiar-se atrás da cômoda frase feita de quem diz que a magistratura é superior a toda crítica e suspeita: como se os magistrados fossem criaturas sobre-humanas, não tocados pela miséria desta terra, e por isto intangíveis. Quem se satisfaz com estas vãs adulações ofende à seriedade da magistratura: a qual não se honra adulando-a, mas ajudando-a, sinceramente, a estar à altura da sua missão” (“Elogio dei giudiciscritto da um avvocato”, Firenze, Le Monnier, 1955, p. 1250-251).
OUTROS VALORES – É claro que existem valores contrapostos a serem examinados nesta discussão, pois à responsabilização judicial dos magistrados se opõe a natural necessidade de autonomia, independência e imparcialidade da magistratura, que não são privilégios dela, mas garantias dos jurisdicionados. Não se trata, a toda evidência, de pretender que os juízes sejam punidos pelos “erros” cometidos na interpretação do direito, e qualificar tais erros como dano causado à parte, uma vez que disso o próprio sistema recursal, tão censurado e reprovado, já tenha cuidado de mitigar.
A meu ver, entretanto, quando um magistrado comete um erro substancial, age com dolo ou incorre em evidente abuso de direito (ou abuso de poder), deve ele ressarcir os danos, materiais e morais, causados à parte ou à coletividade, como de resto sói acontecer com todos nós – cidadãos iguais que somos, em direitos e obrigações. Foi-se o tempo em que prevalecia a máxima “the king can do no wrong”, princípio através do qual se fomentava a equivocada ideia de que o Estado, enquanto fonte de direito, não podia cometer atos ilegítimos ou ilegais.
RESPONSABILIZAÇÃO – Evoluímos bastante na questão da responsabilidade disciplinar dos magistrados, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, que faz um trabalho sério e de excelência, ao não se demitir do seu dever de punir a corrupção, talvez o mal maior que hoje assole o nosso país, mas que, ainda assim, é um defeito do homem, e não desta ou daquela classe profissional.
Há, entretanto, no que evoluirmos ainda mais. Não me parece condizente com os valores sociais e constitucionais previstos na Carta Cidadã, principalmente o da moralidade administrativa, que a maior pena aplicável a um magistrado corrupto, desidioso, preguiçoso ou negligente, possa ser apenas a aposentadoria compulsória. Parece-me, ao contrário, que tal pena consubstancia um “prêmio por mau comportamento”.
LEI ORGÂNICA – É claro que, antes, o Poder Legislativo há que revisar e modificar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), pois o Poder Judiciário é escravo da lei, e sem lei que disponha sobre a perda do cargo com a consequente “perda da aposentadoria” (ou mesmo permita a imposição cumulativa de multas pecuniárias ao magistrado faltoso), o intérprete da lei fica de mãos atadas, pouco ou nada podendo fazer para impedir que o povo continue a pagar os subsídios de um juiz afastado, que não mais trabalha ou produz, por ter maculado a toga.
São Tomas de Aquino, pai da filosofia tomista, dizia que “o mal que se faz para punir não é mal; mal é aquele que se pratica com culpa”. Certo ou não, o fato é que o mal não pode ficar impune, pois o sentimento de impunidade corrói a sociedade. E não há qualquer razão de ordem lógica, ou de natureza jurídica, que justifique que o povo pague a dois juízes – a aposentadoria do afastado por “mau comportamento” e o subsídio do juiz que exercerá a função do afastado, em seu lugar – enquanto só um deles trabalha e produz.
Não há justiça nisso, e também não há proporcionalidade nisso, pois toda e qualquer remuneração deve ser fruto do trabalho, e não um prêmio por malandrice ou inação culposa; particularmente,aquelas que o próprio aposentado compulsório tenha dado causa.
SANÇÃO MÍNIMA – A pena de aposentadoria compulsória, sanção disciplinar máxima aplicável a um magistrado faltoso, a meu ver e sentir, é um retrocesso social, e não um avanço. Ou será progresso ensinar um canibal a comer com garfo e faca?
Juiz irresponsável é sinônimo de justiça injusta, com o perdão pelo oximoro. Ou começamos a pensar e discutir, seriamente, a responsabilização judicial e disciplinar dos magistrados – até para ajudarmos a magistratura a estar à altura da sua nobilíssima missão, ao invés de adulá-la, como preferem fazer alguns –, afastando, conseguintemente, essa lógica, artificial e preponderante, segundo a qual quem deve sentir no bolso o mal feito do magistrado é o povo, enquanto aquele, embora declarado culpado, vai para casa “de férias” e continua a receber seus proventos (não sendo raro, inclusive, que depois de aposentados compulsoriamente alguns comecem a advogar).
Ou estaremos contribuindo, por omissão, para tornar real o vaticínio de Stanislaw Jerzy Lec: “Todos somos iguais perante a lei, mas não perante os encarregados de fazê-la cumprir”.

13 de julho de 2018
Fernando Orotavo Neto é advogado e Conselheiro Efetivo da OAB-RJ.

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