Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso travam o mais decisivo embate da atual quadra da vida brasileira.
No julgamento do habeas-corpus em favor de Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo sem o habitual pugilato verbal entre ambos, ficou explícito, como em poucas vezes, quanto são diferentes os brasis que cada um tem na cabeça. Para Gilmar, vive-se uma era de “neopunitivismo”. Daí por que se deva rever a possibilidade de prisão para os condenados em segunda instância. Para Barroso, vigora no país, amparado pela impunidade, um “pacto oligárquico do saque”. A possibilidade de prisão em segunda instância proporcionou a base a partir da qual pode avançar a Operação Lava-Jato. Virou lugar-comum dizer que se trava no Brasil uma luta entre o novo que quer nascer e o velho que se recusa a morrer. Barroso ocupa a ribalta como a mais viva encarnação do novo; Gilmar, como a mais acabada encarnação do velho. Não há parlamentar, líder de movimento social ou candidato presidencial que no momento lhes faça sombra em tais papéis.
A intervenção de um e outro no Supremo teria sede mais apropriada no Parlamento, se o Brasil tivesse um Parlamento decente. O juridiquês foi deixado em segundo plano em favor das respectivas visões de mundo. Gilmar, em rompante de político na tribuna, atacou a mídia como “opressiva”, até “chantagista”. Barroso citou a mídia como um dos fatores que fazem o Brasil avançar. Gilmar defendeu-se das acusações de que julga em favor dos amigos: “Não aceito o discurso de que estou preocupado com este ou aquele”. Barroso, alegando que a possibilidade de prisão na segunda instância era uma conquista a ser preservada, perguntou: “Mudar para quê? Pior: mudar para quem?”. No Congresso Nacional, o foro por excelência para debater os rumos do país, a disputa entre os dois não seria menos eletrizante do que as históricas estocadas entre Disraeli e Gladstone no Parlamento inglês.
Gilmar Mendes votou a favor do habeas-corpus a Lula, e Barroso contra. Por ironia, votaram ambos ao inverso do que deles se esperaria se o voto se limitasse à questão do habeas-corpus. Gilmar, que na sessão anterior já afirmara não poder ser acusado de simpatia pelo PT, apontou esse partido como o causador do clima de intolerância no país. Barroso elogiou o crescimento econômico e os avanços sociais do governo de Lula e, como pisando em ovos, explicou que não estava julgando o mérito da condenação do ex-presidente, mas tão somente um habeas-corpus capaz de derrubar o princípio da prisão depois da segunda instância.
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O Brasil de Getúlio Vargas documentado no filme Imagens do Estado Novo, de Eduardo Escorel, atualmente em cartaz, nos transporta a sete décadas atrás que até parecem sete séculos. Era um tempo em que os homens, em vez de celular, traziam no bolso um obrigatório lenço branco. Os fãs do brigadeiro Eduardo Gomes o agitavam em seus comícios como hoje o fariam com um pisca-pisca de celulares. Os banquetes, em compridas mesas, constituíam-se no cenário em que se faziam homenagens (e como se faziam homenagens!) e se anunciavam programas de governo. Só homens, e brancos, os frequentavam. E o pequeno ditador, que tinha o tique de saudar as multidões com um convulsivo aceno curto (sem esticar o braço nem alçá-lo acima da cabeça), aparecia de preferência em companhia de seus condestáveis, os generais Dutra e Góis Monteiro (ambos simpatizantes do nazifascismo), ou cercado de uma massa de oficiais. Aos militares cabia a última palavra. Eram os garantidores do regime e os desempatadores dos conflitos.
Garantidor do regime e desempatador dos conflitos é hoje, como convém a uma democracia, o Supremo Tribunal Federal. A manifestação do comandante do Exército, general Villas Bôas, na véspera do julgamento do habeas-corpus de Lula soou como um ensaio de golpe no relógio da história. Não é nada, não é nada, a ela se juntam o bolsonarismo galopante, manifestações de outros militares e uma intervenção no Rio que nos obriga a aprender de novo o nome de generais. Não que vá haver um golpe; mas, por favor, que salvem o país do ridículo universal de se imaginar que possa haver.
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Com o voto da ministra Rosa Weber, ganhou o novo que tenta nascer, mas foi apenas o primeiro round. A mesma Rosa Weber explicou que, a seu ver, não estava em jogo a questão de fundo e que, quando estiver, votará contra a prisão em segunda instância. Será então a vez de ganhar Jucá. Ou seja, o estancamento da sangria.
11 de abril de 2018
Roberto Pompeu de Toledo, VEJA
A intervenção de um e outro no Supremo teria sede mais apropriada no Parlamento, se o Brasil tivesse um Parlamento decente. O juridiquês foi deixado em segundo plano em favor das respectivas visões de mundo. Gilmar, em rompante de político na tribuna, atacou a mídia como “opressiva”, até “chantagista”. Barroso citou a mídia como um dos fatores que fazem o Brasil avançar. Gilmar defendeu-se das acusações de que julga em favor dos amigos: “Não aceito o discurso de que estou preocupado com este ou aquele”. Barroso, alegando que a possibilidade de prisão na segunda instância era uma conquista a ser preservada, perguntou: “Mudar para quê? Pior: mudar para quem?”. No Congresso Nacional, o foro por excelência para debater os rumos do país, a disputa entre os dois não seria menos eletrizante do que as históricas estocadas entre Disraeli e Gladstone no Parlamento inglês.
Gilmar Mendes votou a favor do habeas-corpus a Lula, e Barroso contra. Por ironia, votaram ambos ao inverso do que deles se esperaria se o voto se limitasse à questão do habeas-corpus. Gilmar, que na sessão anterior já afirmara não poder ser acusado de simpatia pelo PT, apontou esse partido como o causador do clima de intolerância no país. Barroso elogiou o crescimento econômico e os avanços sociais do governo de Lula e, como pisando em ovos, explicou que não estava julgando o mérito da condenação do ex-presidente, mas tão somente um habeas-corpus capaz de derrubar o princípio da prisão depois da segunda instância.
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O Brasil de Getúlio Vargas documentado no filme Imagens do Estado Novo, de Eduardo Escorel, atualmente em cartaz, nos transporta a sete décadas atrás que até parecem sete séculos. Era um tempo em que os homens, em vez de celular, traziam no bolso um obrigatório lenço branco. Os fãs do brigadeiro Eduardo Gomes o agitavam em seus comícios como hoje o fariam com um pisca-pisca de celulares. Os banquetes, em compridas mesas, constituíam-se no cenário em que se faziam homenagens (e como se faziam homenagens!) e se anunciavam programas de governo. Só homens, e brancos, os frequentavam. E o pequeno ditador, que tinha o tique de saudar as multidões com um convulsivo aceno curto (sem esticar o braço nem alçá-lo acima da cabeça), aparecia de preferência em companhia de seus condestáveis, os generais Dutra e Góis Monteiro (ambos simpatizantes do nazifascismo), ou cercado de uma massa de oficiais. Aos militares cabia a última palavra. Eram os garantidores do regime e os desempatadores dos conflitos.
Garantidor do regime e desempatador dos conflitos é hoje, como convém a uma democracia, o Supremo Tribunal Federal. A manifestação do comandante do Exército, general Villas Bôas, na véspera do julgamento do habeas-corpus de Lula soou como um ensaio de golpe no relógio da história. Não é nada, não é nada, a ela se juntam o bolsonarismo galopante, manifestações de outros militares e uma intervenção no Rio que nos obriga a aprender de novo o nome de generais. Não que vá haver um golpe; mas, por favor, que salvem o país do ridículo universal de se imaginar que possa haver.
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Com o voto da ministra Rosa Weber, ganhou o novo que tenta nascer, mas foi apenas o primeiro round. A mesma Rosa Weber explicou que, a seu ver, não estava em jogo a questão de fundo e que, quando estiver, votará contra a prisão em segunda instância. Será então a vez de ganhar Jucá. Ou seja, o estancamento da sangria.
11 de abril de 2018
Roberto Pompeu de Toledo, VEJA
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