Crença de que um governo pode se eleger omitindo o que quer fazer é claro caso de wishful thinking
Alertei novamente na semana passada sobre as perspectivas complicadas para as contas públicas nos próximos anos caso não avancemos com reformas que reduzam o grau de rigidez dos Orçamentos.
Soa repetitivo, sei, mas, dado que ninguém parece querer tratar do assunto e não falta quem negue a existência do problema, fazer o quê?
Há, porém, os que, embora de acordo acerca do mau estado das finanças públicas, acreditam que haverá conserto, independentemente de quem for eleito em 2018.
O exemplo, frequentemente citado, é o comportamento observado no primeiro governo Lula, quando, apesar de retórica em contrário (em 2001, é bom lembrar, o PT apoiou um referendo sobre o não pagamento da dívida), houve aprofundamento do ajuste fiscal.
Naquele momento, a despesa federal caiu de R$ 614 bilhões em 2002 para R$ 590 bilhões em 2003 (a preços de hoje), e o superavit primário do setor público se manteve até 2008 na casa de 3,5% do PIB.
É um bom argumento, mas acredito que não se aplica às condições atuais. Em primeiro lugar porque o problema fiscal não era tão agudo. Entre 1999 e 2002, por exemplo, o superávit primário médio já superava 3% do PIB. Não havia, pois, necessidade premente de um ajuste considerável. Assim, por mais que uns e outros esperneassem, o esforço fiscal adicional foi relativamente modesto comparado ao que se acredita ser necessário hoje.
Em segundo lugar, porque as condições políticas não poderiam ser mais distintas. Em que pese a ambiguidade da “Carta ao Povo Brasileiro”, o desempenho fiscal no primeiro governo Lula não foi percebido como afronta ao que foi dito na campanha, a não ser, é claro, pelos economistas do PT, devidamente excluídos (ainda bem!) da tarefa de gerir a política econômica naquele momento (quando assumiram, nos colocaram na pior recessão dos últimos 40 anos).
Já a experiência do segundo governo Dilma não poderia ser mais ilustrativa. Depois de negar, anos a fio, a existência de problemas e sugerir, durante a campanha, que banqueiros roubariam a comida dos pobres, a ex-presidente colocou como ministro da Fazenda um vice-presidente de um dos maiores bancos privados do país (e apenas porque o presidente do dito banco recusou o convite) e tentou, de forma desastrada, reverter o rumo de sua (não menos desastrada) política econômica.
O fracasso veio daí, não de “pautas-bomba”, o atual mimimi dos responsáveis pelo fiasco. A começar porque seu próprio partido jamais apoiou a iniciativa; ao contrário, quando não se omitiu, simplesmente a sabotou. E também porque a população, ao perceber o logro de que fora vítima, se mostrou indignada: a popularidade do governo, que superava 40% no final de 2014, despencou para menos de 10% seis meses depois. A perda de apoio no Congresso (e, portanto, sua incapacidade para avançar a pauta de reformas) resultou desses processos.
À luz da história recente, a crença de que um governo pode se eleger omitindo o que pretende fazer para, uma vez no poder, aprovar medidas complexas e impopulares me parece um claro caso de esperança ilusória (wishful thinking).
Reformas não serão aprovadas por quem não as defender na eleição e tentativas em contrário podem nos levar a crises políticas tão graves quanto vivemos em 2015-16.
11 de abril de 2018
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
Alertei novamente na semana passada sobre as perspectivas complicadas para as contas públicas nos próximos anos caso não avancemos com reformas que reduzam o grau de rigidez dos Orçamentos.
Soa repetitivo, sei, mas, dado que ninguém parece querer tratar do assunto e não falta quem negue a existência do problema, fazer o quê?
Há, porém, os que, embora de acordo acerca do mau estado das finanças públicas, acreditam que haverá conserto, independentemente de quem for eleito em 2018.
O exemplo, frequentemente citado, é o comportamento observado no primeiro governo Lula, quando, apesar de retórica em contrário (em 2001, é bom lembrar, o PT apoiou um referendo sobre o não pagamento da dívida), houve aprofundamento do ajuste fiscal.
Naquele momento, a despesa federal caiu de R$ 614 bilhões em 2002 para R$ 590 bilhões em 2003 (a preços de hoje), e o superavit primário do setor público se manteve até 2008 na casa de 3,5% do PIB.
É um bom argumento, mas acredito que não se aplica às condições atuais. Em primeiro lugar porque o problema fiscal não era tão agudo. Entre 1999 e 2002, por exemplo, o superávit primário médio já superava 3% do PIB. Não havia, pois, necessidade premente de um ajuste considerável. Assim, por mais que uns e outros esperneassem, o esforço fiscal adicional foi relativamente modesto comparado ao que se acredita ser necessário hoje.
Em segundo lugar, porque as condições políticas não poderiam ser mais distintas. Em que pese a ambiguidade da “Carta ao Povo Brasileiro”, o desempenho fiscal no primeiro governo Lula não foi percebido como afronta ao que foi dito na campanha, a não ser, é claro, pelos economistas do PT, devidamente excluídos (ainda bem!) da tarefa de gerir a política econômica naquele momento (quando assumiram, nos colocaram na pior recessão dos últimos 40 anos).
Já a experiência do segundo governo Dilma não poderia ser mais ilustrativa. Depois de negar, anos a fio, a existência de problemas e sugerir, durante a campanha, que banqueiros roubariam a comida dos pobres, a ex-presidente colocou como ministro da Fazenda um vice-presidente de um dos maiores bancos privados do país (e apenas porque o presidente do dito banco recusou o convite) e tentou, de forma desastrada, reverter o rumo de sua (não menos desastrada) política econômica.
O fracasso veio daí, não de “pautas-bomba”, o atual mimimi dos responsáveis pelo fiasco. A começar porque seu próprio partido jamais apoiou a iniciativa; ao contrário, quando não se omitiu, simplesmente a sabotou. E também porque a população, ao perceber o logro de que fora vítima, se mostrou indignada: a popularidade do governo, que superava 40% no final de 2014, despencou para menos de 10% seis meses depois. A perda de apoio no Congresso (e, portanto, sua incapacidade para avançar a pauta de reformas) resultou desses processos.
À luz da história recente, a crença de que um governo pode se eleger omitindo o que pretende fazer para, uma vez no poder, aprovar medidas complexas e impopulares me parece um claro caso de esperança ilusória (wishful thinking).
Reformas não serão aprovadas por quem não as defender na eleição e tentativas em contrário podem nos levar a crises políticas tão graves quanto vivemos em 2015-16.
11 de abril de 2018
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
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