Todos são iguais perante a lei, inclusive apedeutas e boçais. Todos são iguais perante a lei, inclusive escroques e criminosos. Todos têm o direito de elegerem e de serem eleitos. Porém, quando estes e aqueles se aproveitam de tais atributos democráticos e assumem o poder, a consequência é desastrosa. Dá no que deu. Dá no que está dando nesta quadra da história do Brasil. Todos são iguais perante a lei, mas por classes sociais: da miséria à riqueza, dos sem voz e sem vez, até as elites. Para cada uma das classes sociais, tratamentos diferenciados.
Década de 1980. Detentos da Penitenciária Lemos de Brito (RJ), matam numa só noite 11 outros presos. Era o chamado “Comando Vermelho”. Três dias depois Tim Lopes me telefona: “Jorge, estou te mandando as famílias de 7 dos 11 assassinados anteontem na Lemos de Brito. É para você processar o Estado e pedir indenização”.
GENTE SOFRIDA – A todos acolhi. Gente simples e sofrida. Dei entrada com ações individuais. Em todas as ações, arrolei como testemunha o Arcebispo do Rio.
Dom Eugênio Salles tinha declarado à imprensa, referindo-se à chacina: “Conheço o complexo penitenciário da Frei Caneca. Lá é a sucursal do inferno”. E era mesmo. Até hoje os presídios nacionais são franquias do Diabo. Então, por se tratar da mais alta autoridade eclesiástica do Rio, peticionei ao juiz que concedesse a Dom Eugênio a mesma prerrogativa que o Código de Processo Civil (artigo 411, CPC/1973, hoje artigo 454, CPC/2015) confere às autoridades do Legislativo, Executivo e Judiciário e a embaixadores credenciados no Brasil: a de ser ouvida em sua residência, ou onde exercem a sua função, em dia e hora que a testemunha designasse.
“Apesar da justa deferência que o nobre advogado pleiteia, ainda que quisesse eu, este Juízo não pode deferir o pedido. Escravo da lei e à lei obediente, observo que autoridade eclesiástica não se encontra contemplada na lei processual com a prerrogativa pleiteada. Indefiro, portanto. Intime-se o sr. Cardeal para o comparecimento na audiência”, assim escreveu o juiz ao decidir minha petição.
DIANTE DO CARDEAL – Constrangido, fui ao Palácio São Joaquim. E no gabinete do Cardeal, narrei-lhe tudo. E antecipei que iria desistir de ouvir sua Eminência Reverendíssima, para não constrangê-lo a ficar, em pé ou sentado nos bancos do corredor do fórum, à porta da sala de audiência, a esperar que a sessão começasse e a vez de ser ouvido.
“Nada disso, dr. Jorge. Não desista. Eu irei”, me respondeu Dom Eugênio. E ele foi.
Eugênio de Araújo Salles, cardeal-arcebispo do Rio de 13.3.71 a 25.7.2001, quando renunciou. Faleceu aos 91 de idade. Depois dele, nenhum outro igual. Pelo contrário, temos até Tempesta-de, bem diferente da simplicidade, candura, e placidez que foi Dom Eugênio, um homem-santo que viveu entre nós.
DOIS JUÍZES – Relembro o fato por causa do que está acontecendo hoje no país. O juiz não concedeu a Dom Eugênio uma distinção que, por analogia, lhe era devida. E mesmo assim Dom Eugênio não desobedeceu e cumpriu ao chamado judicial. Já o juiz Moro, ao decretar a prisão de um condenado por crimes de lesa-pátria, decidiu conceder ao condenado distinções e deferências que também não lhe eram devidas por lei.
Por ter sido duas vezes presidente da República, Moro deu ao condenado Lula o direito dele próprio se apresentar à Policia! E mais: reservou-lhe uma sala especial de 16 metros quadrados, com cama, banheiro, mesa, cadeiras e ante-sala para receber advogados e visitas, chamada de sala de “Estado-Maior”, individual e “humanizada”. E tudo isso, fora da penitenciária, sem que o condenado tenha curso superior e o mínimo merecimento. E sem que a lei permita tantas benesses.
MAL AGRADECIDO – E o condenado não aceita, não agradece, não reconhece. Não dá o bom exemplo e parte para a resistência. Quer o enfrentamento. Quer que a Policia Federal vá prendê-lo. Ele, o Lula, não é um cardeal-testemunha que a Justiça convocou. É um ex-presidente-condenado, sem direito algum às gentilezas que o juiz Moro a ele dispensou.
O correto seria o juiz Moro expedir o Mandado de Prisão. Entregar o Mandado a Polícia. E a Policia, sem dificuldade e sem resistência, na própria quinta-feira, de surpresa, apanharia Lula no instituto que leva seu nome. De lá, coercitivamente, seria conduzido para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, para iniciar o cumprimento da pena. É incrível reconhecer que foi fácil prender “Rogério 157”, sem que a polícia do Rio disparasse um tiro, e que está sendo dificílimo prender Lula, que não se encontra foragido e a Polícia Federal e a Justiça sabem onde ele está.
HOUVE EXAGERO – Se vê que os cuidados do juiz Moro foram exagerados e fora da lei. Moro tem culpa pelo que aconteceu e está acontecendo. Suas precauções foram indevidas, infundadas, desmerecidas e sem amparo na lei. Sem querer e na máxima boa-fé, é claro, o magistrado foi cuidadoso e educado com o ex-presidente. Só isso: cuidadoso e educado. E do ex-presidente recebeu um tapa no rosto. Do ex-presidente que um dia disse ser ele “o homem mais honesto deste país”. Que mentira! Que valentia barata!
E parafraseando o Eclesiastes, é certo dizer: mediocridade, mediocridade, tudo é mediocridade.
11 de abril de 2018
Jorge Béja
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