A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), antes do fim do recesso de proibir a condução coercitiva de investigados sob o argumento de que ela é inconstitucional deu forças à tese da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva para classificá-lo como vítima de “perseguição política” e de “guerra jurídica” nos processos da Operação Lava Jato. De pouca eficácia nos tribunais, o entendimento do ministro servirá para o petista engrossar em 2018 seu discurso político na Organização das Nações Unidos, em instâncias internacionais e, principalmente, em sua peregrinação de revisitação da própria base eleitoral.
O argumento de que foi ilegal a condução coercitiva do ex-presidente, em 4 de março de 2016, quando foi alvo da 24ª fase da Lava Jato (Operação Alethea), foi levantado pela defesa na maioria dos processos movidos na Justiça brasileira para tentar afastar o juiz federal Sérgio Moro do caso.
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE – A defesa de Lula sustenta que ele foi “exposto a alto nível de constrangimento, com a consequente privação da sua liberdade, sem que jamais lhe tivessem endereçado uma única intimação expedida” por Moro. “Nos termos do que exige a dicção do artigo 260, do Código de Processo Penal — e mesmo nesta hipótese de um primeiro desatendimento, a medida já seria bastante discutível”, registram os pedidos contra o juiz da Lava Jato.
São sete pedidos de exceção de suspeição criminal movidos em Curitiba, todos sem sucesso até aqui, e há ainda outros três pedidos de exceção de incompetência criminal contra 13ª Vara Federal para julgar o petista, também negados. Os advogados afirmam que Lula foi privado da liberdade “por aproximadamente seis horas por meio de providência que não tem previsão legal”, tempo em que o ex-presidente esteve com a Polícia Federal para prestar depoimento em uma área reservada do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, sob forte esquema de segurança. Na ocasião, estava na condição de investigado nos inquéritos do sítios de Atibaia, do tríplex do Guarujá e dos que apura a Lils Palestras e Eventos e o Instituto Lula.
VITÓRIA – Mesmo sem efeito imediato sobre os processos de suspeição de Lula contra Moro, já que Gilmar Mendes deixou claro na liminar de 19 de dezembro que ela não valia para casos passados como o de Lula, o entendimento do ministro é considerado uma vitória para a defesa do petista. Isso porque a decisão estipula que a prática de levar investigados à força para depor é inconstitucional, por violar a liberdade de locomoção e a presunção de não culpabilidade. Tese que o ex-presidente sustenta.
“A condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal”, afirma o ministro, na decisão, relacionada a dois pedidos, em caráter liminar, em arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs): uma da Ordem dos Advogados do Brasil e outra do PT. Na prática, Gilmar declarou o artigo 260 do Código de Processo Penal – o mesmo artigo atacado pela defesa de Lula na Lava Jato – não recepcionado pela Constituição. É ele que permite mandar conduzir acusados à sua presença, caso ele não atenda a intimações.
“Essa decisão mostra a correção do argumento que nós sempre utilizamos. O fundamento para chegar a essa decisão declarando a inconstitucionalidade vai na linha do que sempre sustentamos. De que a decisão de conduzir coercitivamente o ex-presidente Lula foi uma decisão que agride a Constituição Federal e agride os tratados internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir, porque o que ocorreu foi uma prisão sem que houvesse respaldo na lei”, afirmou o criminalista Cristiano Zanin Martins, que encabeça a defesa de Lula.
CANDIDATO – Condenado a 9 anos e 6 meses de prisão no processo do triplex do Guarujá (SP) e com pelo menos mais uma condenação à vista – a da propina da Odebrecht para compra do terreno do Instituto Lula e a das obras do Sitio de Atibaia -, Lula luta para ser candidato à presidente mais uma vez. Um dos principais entraves é a condenação do caso tríplex, que no dia 24 será julgado em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. O resultado – e o prazo em que ele será concluído – determinará a possibilidade de Lula disputar as eleições.
O uso da decisão de Gilmar vai além da busca por uma nulidade nos processos. Servirá a Lula para reforçar o argumento de perseguição política, que mantém desde o início da Lava Jato. A defesa sustenta que a condução coercitiva do ex-presidente feriu garantias fundamentais previstas em tratados internacionais que o Brasil é signatário. Formalmente, os advogados do petista acionaram a ONU.
A defesa argumenta que “as medidas adotadas e ações exteriorizadas pelo magistrado em desfavor do excipiente (Lula) revelam-se manifestamente abusivas e ilícitas, ferindo as garantias fundamentais, como também Tratados Internacionais, comprometendo a necessária imparcialidade do julgador”.
11 de janeiro de 2018
Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo
Estadão
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