O governo deixa de aproveitar oportunidades de investimento no setor de concessões de rodovias, cujo deslanche depende apenas de sua ação
O que mais irrita quando se tem acesso a certos indicadores de atividade econômica é constatar, primeiro, que a culpa da crise atual é exclusivamente nossa e, mais precisamente, da desastrada gestão petista que desabou recentemente sobre o País. Gestão essa que, aliás, deveria ser testada mais uma vez nas urnas em 2018 e, quem sabe, erradicada para sempre por um candidato que representasse o novo (de verdade) em todos os sentidos.
Em segundo lugar, é irritante que a recessão nunca chegue ao prometido fundo do poço, bastando olhar para a forma de “U” capenga que os gráficos dos indicadores de atividade econômica interna assumem, em que a segunda perna do “U”, à direita, não chega nunca. E isso ocorre a despeito de uma evolução favorável das taxas de risco externo, relativamente aos indicadores internos de incerteza, mais uma vez demonstrando que o problema está aqui dentro.
Risco externo em queda implica taxas de câmbio estáveis ou declinantes, algo ruim para a competitividade de setores conectados com o exterior, mas bom para uma evolução favorável ao controle da inflação, num mundo há muito inundado em dólares.
Inflação essa que, aliás, nunca foi tão baixa, o que permite uma redução sistemática da taxa de juros básica, em que pese nosso gigantesco problema fiscal, reestimulando gastos de investimento e de consumo. Ou seja, com um tratamento adequado mínimo da doença fiscal, uma hora a fase ascendente do ciclo teria de voltar a acontecer.
Só que, mais uma vez, o diabo mora nos detalhes. Primeiro porque a gestão econômica do País não é tão boa quanto se apregoa. Ciente da maior gravidade do velho problema fiscal, quando se tem uma recessão tão severa pela frente (que derruba igualmente a arrecadação), o governo definiu para si uma estratégia focada no ajuste de longo prazo, enquanto pedia paciência aos mercados para emitir moeda em massa no financiamento dos déficits de curto prazo.
Era como se tivesse ganho o direito, depois de vários anos de superávits fiscais primários expressivos, de gastar o caixa acumulado no passado recente para financiar os buracos da atual fase de vacas magras, enquanto a recessão não cedesse e os frutos da política de longo prazo não fizessem seus efeitos. Isso amenizaria as consequências danosas da recessão sobre o emprego.
A PEC do Teto, que impôs um crescimento no máximo pela inflação para os gastos totais da União, foi a peça básica da política da Fazenda, a ser complementada pelos efeitos fiscais favoráveis da reforma previdenciária que se tentaria aprovar na sequência. Mesmo estando paralisada pela crise política, ela acabará sendo enfrentada no próximo mandato. O que não faz sentido é o governo ter se agarrado simultaneamente a uma meta de superávit primário de R$ 139 bilhões, quando deveria ter avisado que ela seria ajustada para cima, enquanto a recessão não cedesse, para não ter de aumentar impostos diante de um orçamento tão rígido e de uma economia combalida.
Mas o grande erro foi mesmo não ter adotado critério similar para o caso dos déficits dos entes subnacionais, onde o problema fiscal era muito parecido, e foi igualmente gerado um ajuste ao longo de vários anos, neste caso na base de um quarto do esforço fiscal agregado.
Já me referi a esse problema várias vezes neste espaço, indicando caminhos a trilhar, mas se tratava de querer que entes com considerável autonomia na divisão política do País se submetessem às dores de um ajuste que o próprio ente central na hierarquia federativa não quis enfrentar no seu próprio quintal. É só olhar para o caos que impera em Estados como o Rio de Janeiro, para quem a União criou um programa de recuperação financeira sem qualquer convicção, cuja implementação se arrasta há meses sem qualquer solução razoável.
Como tenho escrito repetidas vezes, finalmente, irrita que o governo, temeroso das reações dos órgãos de fiscalização, deixe de aproveitar as oportunidades de investimento que existem especificamente no setor de concessões de rodovias, e cujo deslanche depende apenas de sua ação.
13 de agosto de 2017
Raul Velloso
É DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL. Estadão
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