Há muito passei a colocar em dúvida a chamada “Hipótese dos Mercados Eficientes - HME”, princípio fortemente defendido pelos economistas de formação neoclássica (que é meu caso). Uma de suas implicações é que os preços dos ativos estão sempre “certos”, no sentido que agentes racionais incorporam nesses preços, a valor presente, todo o conjunto de informações disponíveis. Para quem quiser se aprofundar na contestação dessa hipótese, recomendo a leitura do livro Misbehaving, de Richard H. Thaler.
Não fosse minha crescente descrença na HME, eu perderia horas de sono tentando compreender o atual otimismo do mercado com os ativos financeiros brasileiros, ante o complicado quadro político e fiscal doméstico e os riscos presentes na economia mundial.
É verdade que os baixíssimos juros internacionais levam os investidores globais a uma busca desesperada de ativos com maior rentabilidade, e o Brasil, apesar de todos os seus problemas, parece uma oportunidade. Internamente, a crise política foi resumida pelo mercado na ideia de que com Temer a política econômica não se deteriora e, se Temer cair, virá Rodrigo Maia, que é visto como uma opção ainda melhor. Mas nada disso justifica negligenciar os enormes riscos que se vislumbram para o futuro próximo.
Internamente, a economia frustrou a expectativa de retomada do crescimento, exibindo sinais de que a recessão foi substituída pela estagnação. A situação fiscal segue crítica, tendo-se de recorrer ao aumento de imposto, para tentar cumprir a “meta” de déficit fiscal de R$ 139 bilhões, em 2017, apesar da quase paralisação das atividades de governo que não sejam incluídas nas despesas obrigatórias. A reforma da Previdência está adiada sine die e a relação dívida/PIB cresce de forma descontrolada.
Em meio a esse quadro, teremos no ano que vem uma das eleições presidenciais mais imprevisíveis dos últimos tempos. Quando as pesquisas eleitorais começarem a influenciar mais diretamente as expectativas dos agentes econômicos, o que deve ocorrer a partir do segundo trimestre de 2018, dificilmente um candidato que empunhe a bandeira de continuidade das reformas estruturais, interrompidas após as denúncias dos irmãos Batista, aparecerá entre os mais bem cotados para vencer o pleito.
Externamente, é bastante provável que, no ano que vem, aumentem os debates sobre a normalização das políticas monetárias nos países desenvolvidos. O crescimento tem se mostrado firme nos Estados Unidos e na União Europeia, e seus bancos centrais, além de praticarem taxas básicas de juros historicamente baixas, carregam trilhões de dólares de títulos públicos em seus balanços, ajudando a deprimir também as taxas longas. O Federal Reserve, o banco central norte-americano, já anunciou o início, em outubro próximo, da redução de seus ativos. Ou seja, a era de juros internacionais extremamente baixos parece estar cada vez mais próxima do fim.
Finalmente, a China continua exibindo forte desequilíbrio macroeconômico, cuja correção não é simples, e pode levar aquele país a reduzir abruptamente sua taxa de crescimento ou, até mesmo, entrar em recessão. Trata-se do excesso de poupança, comparativamente aos investimentos necessários para crescer às taxas atuais. A taxa de poupança na China está em torno de 45% do PIB; estudos confiáveis mostram que, para crescer 6,5% ao ano, teria de investir, de forma eficiente, apenas 30% do PIB. Investe 45% do PIB, graças ao crescimento explosivo do crédito, com perigosa pulverização do funding; e ao aumento de capacidade ociosa, exatamente nos setores mais endividados, o que põe em dúvida a solvência dos mesmos.
Por que então os mercados continuam tão otimistas? Provavelmente porque a HME realmente seja um equívoco. Das duas uma: ou os riscos se dissipam e os preços atuais dos ativos estão corretos, podendo melhorar ainda mais, o que não creio, ou se confirmam, e teremos muita volatilidade no próximo ano. O certo é que como está, não fica.
02 de agosto de 2017
Clajudio Adilson Gonãlez, Estadão
ECONOMISTA E DIRETOR DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.
Não fosse minha crescente descrença na HME, eu perderia horas de sono tentando compreender o atual otimismo do mercado com os ativos financeiros brasileiros, ante o complicado quadro político e fiscal doméstico e os riscos presentes na economia mundial.
É verdade que os baixíssimos juros internacionais levam os investidores globais a uma busca desesperada de ativos com maior rentabilidade, e o Brasil, apesar de todos os seus problemas, parece uma oportunidade. Internamente, a crise política foi resumida pelo mercado na ideia de que com Temer a política econômica não se deteriora e, se Temer cair, virá Rodrigo Maia, que é visto como uma opção ainda melhor. Mas nada disso justifica negligenciar os enormes riscos que se vislumbram para o futuro próximo.
Internamente, a economia frustrou a expectativa de retomada do crescimento, exibindo sinais de que a recessão foi substituída pela estagnação. A situação fiscal segue crítica, tendo-se de recorrer ao aumento de imposto, para tentar cumprir a “meta” de déficit fiscal de R$ 139 bilhões, em 2017, apesar da quase paralisação das atividades de governo que não sejam incluídas nas despesas obrigatórias. A reforma da Previdência está adiada sine die e a relação dívida/PIB cresce de forma descontrolada.
Em meio a esse quadro, teremos no ano que vem uma das eleições presidenciais mais imprevisíveis dos últimos tempos. Quando as pesquisas eleitorais começarem a influenciar mais diretamente as expectativas dos agentes econômicos, o que deve ocorrer a partir do segundo trimestre de 2018, dificilmente um candidato que empunhe a bandeira de continuidade das reformas estruturais, interrompidas após as denúncias dos irmãos Batista, aparecerá entre os mais bem cotados para vencer o pleito.
Externamente, é bastante provável que, no ano que vem, aumentem os debates sobre a normalização das políticas monetárias nos países desenvolvidos. O crescimento tem se mostrado firme nos Estados Unidos e na União Europeia, e seus bancos centrais, além de praticarem taxas básicas de juros historicamente baixas, carregam trilhões de dólares de títulos públicos em seus balanços, ajudando a deprimir também as taxas longas. O Federal Reserve, o banco central norte-americano, já anunciou o início, em outubro próximo, da redução de seus ativos. Ou seja, a era de juros internacionais extremamente baixos parece estar cada vez mais próxima do fim.
Finalmente, a China continua exibindo forte desequilíbrio macroeconômico, cuja correção não é simples, e pode levar aquele país a reduzir abruptamente sua taxa de crescimento ou, até mesmo, entrar em recessão. Trata-se do excesso de poupança, comparativamente aos investimentos necessários para crescer às taxas atuais. A taxa de poupança na China está em torno de 45% do PIB; estudos confiáveis mostram que, para crescer 6,5% ao ano, teria de investir, de forma eficiente, apenas 30% do PIB. Investe 45% do PIB, graças ao crescimento explosivo do crédito, com perigosa pulverização do funding; e ao aumento de capacidade ociosa, exatamente nos setores mais endividados, o que põe em dúvida a solvência dos mesmos.
Por que então os mercados continuam tão otimistas? Provavelmente porque a HME realmente seja um equívoco. Das duas uma: ou os riscos se dissipam e os preços atuais dos ativos estão corretos, podendo melhorar ainda mais, o que não creio, ou se confirmam, e teremos muita volatilidade no próximo ano. O certo é que como está, não fica.
02 de agosto de 2017
Clajudio Adilson Gonãlez, Estadão
ECONOMISTA E DIRETOR DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.
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