A hipocrisia e o cinismo sempre foram características da atividade política, na qual traições e alianças se confundem, é preciso manter os inimigos por perto e o fogo amigo pode se tornar a maior ameaça, conforme o genial William Shakespeare dissecou em suas peças. No caso do Brasil, essas peculiaridades são ainda mais exacerbadas, a confusão é geral, as aparências não dizem nada, torna-se necessário estar sempre recorrendo à tradução simultânea para tentar compreender o que realmente está acontecendo.
TEMER X PADILHA – O primeiro ponto a ser considerado é que desde setembro existe uma briga surda entre o presidente Michel Temer e seu principal ministro, Eliseu Padilha, da Casa Civil, conforme temos noticiado em primeira mão e absoluta exclusividade.
Mas por que se desentenderam? Tudo começou quando Padilha extrapolou suas funções e começou a se comportar como se fosse chefe do governo, interferindo e criando problemas com ministros importantes, entre os quais Henrique Meirelles (Fazenda), José Serra (Itamaraty) e Medina Osório (Advocacia-Geral da União).
Temer teve uma conversa dura com Padilha, tentou enquadrá-lo, mas não adiantou nada, o chefe da Casa Civil se manteve irredutível, as relações foram se deteriorando e passaram a ser apenas formais, um verdadeiro festival de cinismo.
MOREIRA PRESTIGIADO – A primeira investida de Temer foi prestigiar Moreira Franco, que passou a acompanhá-lo em todos os atos de importância política. Padilha ficou no freezer, mas fingiu que não estava nem aí e continuou dando entrevistas sobre todos os assuntos do governo, arranjadas pela Assessoria de Imprensa do Planalto, que sempre esteve subordinada à Casa Civil.
A única exceção ocorreu no início de janeiro, quando houve a enchente em Rolante, no Rio Grande do Sul, e Temer levou o gaúcho Padilha na comitiva, para manter as aparências, e até chegou a mencioná-lo em seu discurso, vejam a que ponto chega a hipocrisia dos políticos.
A essa altura, Padilha já estava enfraquecido, porque no final de novembro sofrera um grande golpe, com a demissão de seu aliado Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo). Essa disputa pelo poder foi afastando Temer dos caciques do PMDB, como ficou claro ao indicar o tucano Antonio Imbassahy para substituir o peemedebista Geddel. Ao mesmo tempo, o presidente deu a estocada final para esvaziar os poderes de Padilha, ao promover Moreira Franco a ministro e lhe passar o comando da Secretaria de Comunicação, da Assessoria de Imprensa, do Cerimonial e da Administração da Presidência. que estavam sob comando da Casa Civil.
PADILHA ENFIM REVIDA – Quando Temer indicou Alexandre de Moraes para o Supremo, surpreendentemente Padilha resolveu revidar e fazer mais um teste de força com Temer. Sem prévia autorização do presidente, combinou com os demais caciques do PMDB a indicação de um de seus assessores para ser ministro da Justiça. Surgiu assim o nome do desconhecido e inexpressivo Gustavo do Vale Rocha, da Subchefia Jurídica da Casa Civil, cujas credenciais eram ter trabalhado no Diretório do PMDB e ser advogado de Eduardo Cunha.
Atendendo a uma ordem direta de Padilha, a Assessoria de Imprensa do Planalto então passou a distribuir notícias destinadas a fortalecer a “autocandidatura” de Rocha, pressionar Temer com o apoio dos caciques do PMDB e criar um fato consumado.
A resposta do presidente foi fulminante, ao nomear Osmar Serraglio, que tem cinco mandatos de deputado federal pelo PMDB, era amigo de Cunha e até tentou ajudá-lo, mas não integra a quadrilha montada pelos caciques do partido.
YUNES ENTRA EM CENA – Logo em seguida, outra estocada de Temer, através do amigo de juventude José Yunes, seu colega na Faculdade de Direito, correligionário no PMDB paulista e parceiro de bancada na Constituinte de 1987/88 como deputado federal. A entrevista à Veja foi uma manobra ensaiada, com duplo objetivo – ao mesmo tempo, proteger Yunes da Lava Jato e incriminar Padilha definitivamente.
Raciocinemos: assim como o ainda assessor Gustavo do Vale Rocha jamais tomaria a iniciativa de se candidatar a ministro sem estar obedecendo a uma ordem de Padilha, do mesmo jeito o ex-assessor José Yunes nunca denunciaria o chefe da Casa Civil sem orientação de Temer. É o óbvio ululante que nosso amigo Nelson Rodrigues tanto procurou.
Padilha está calado, não comenta a pesadíssima denúncia de Yunes. Disse apenas uma frase à excelente colunista Carolina Bahia, da Zero Hora: “Claro que não vou embora; se Deus quiser, dia 6 retomo minhas atividades em Brasília”.
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PS – Acontece que Padilha não tem mais atividades a desenvolver em Brasília. Está completamente emparedado no Planalto, porque as importantes atribuições da Casa Civil passaram para o neoministro Moreira Franco. É claro que Padilha quer revidar, mas não sabe como. Sua maior preocupação é continuar ministro, para não perder o foro privilegiado e cair nas mãos do juiz federal Sérgio Moro. Este é o quadro, por enquanto. (C.N.)
26 de fevereiro de 2017
Carlos Newton
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