Há uma semana, foi lançada em São Paulo mais uma campanha pela imunidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente réu em três processos relacionados a casos de corrupção. O nome do movimento – “Por um Brasil justo para todos e para Lula” – não deixa margens a dúvida quanto à sua natureza. Não basta ser justo com todos. Com Lula, é preciso um pouco mais. Trata-se de mais uma tentativa de manipular valores e princípios democráticos, como a igualdade de todos perante a lei e a presunção de inocência, para fins muito distantes dos ideais democráticos. Querem o velho e imoral tratamento privilegiado para o ex-presidente.
Justiça para todos, sim, mas que para Lula seja reservada uma especial justiça, que não lhe traga constrangimentos nem muito menos ouse questionar o seu comportamento com a fria métrica legal. Sim, todos são iguais perante a lei e devem se submeter à justiça, mas Lula – parecem dizer os promotores da campanha – deve ser mais igual que os outros. Mais que por justiça, o tom do clamor é por uma desigual condescendência.
Idealizada por intelectuais de esquerda e amigos do ex-presidente, a nova campanha escancara viés não igualitário. Há investigações contra ele? Há suspeita de recebimento de alguns favores de caráter um tanto duvidoso? Nesses casos, não basta que ele tenha os mesmos direitos concedidos a todos os outros cidadãos e possa, dentro da mais estrita legalidade processual, responder judicialmente. Não é suficiente tampouco que, em seu pleno exercício do direito de ampla defesa, ele seja excelentemente assessorado por uma banca de renomados causídicos. Tudo isso é pouco para Lula.
Ele precisa de uma organizada campanha de comunicação a difundir impropérios contra as instituições. Ele precisa de comitês em todos os Estados brasileiros e no exterior – a campanha em prol da imunidade de Lula não quer se restringir ao território nacional – a propagar a ideia de que há no País uma “perversão do processo legal”. Ele precisa de material impresso e eletrônico para denunciar “prisões banais por meras suspeitas, conduções coercitivas ilegais, vazamentos criminosos de dados e exposição da intimidade”.
Pelo que se vê, Lula não gosta de ser tratado como os outros, e exige que partido, simpatizantes e amigos trabalhem para ele. Todo o restante – rever as práticas partidárias, reconectar o partido com o eleitorado, etc. – pode esperar. A máxima prioridade do PT deve ser proteger seu grande chefe dos efeitos das instituições. Dentro dessa lógica pouco democrática, produz-se uma grande mobilização que difunda dúvidas sobre a legitimidade das instituições nacionais e sobre as intenções daqueles que fazem perguntas incômodas a Lula e podem exigir que ele, como um brasileiro igual a todos os outros, responda pelos seus atos perante a lei.
No ato de lançamento da nova campanha, Lula alegou constrangimento por estar ali em causa própria. “Não me sinto confortável participando de um ato da minha defesa. Eu me sentiria confortável participando de um ato de acusação à força-tarefa da Lava Jato, que está mentindo para a sociedade brasileira”, disse o ex-presidente, que não se deu ao trabalho de explicar as supostas mentiras da operação. Ao fiel público que foi prestigiá-lo, Lula preferiu oferecer o já habitual e cada vez menos convincente papel de vítima. A novidade ficou por conta da revelação de suas visões particulares, nas quais percebe “um pacto quase diabólico” entre as instituições para destruir sua reputação e o projeto de país que implementou em seus oito anos de governo.
“Eles mexeram com a pessoa errada”, concluiu Lula, referindo-se ao trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público, do Poder Judiciário e – como o ex-presidente gosta sempre de incluir – da mídia. Na lógica lulista, há pessoas intocáveis, que as instituições não devem importunar. Há pessoas certas e há pessoas erradas para se mexer. É comovente a profunda consciência da ideia de igualdade do ex-presidente.
17 de novembro de 2016
Editorial Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário