Ele já foi um dos mais influentes personagens da história política do Rio de Janeiro. Os eleitores fluminenses lhe deram seis vitórias nas urnas – três para deputado estadual, uma para senador e duas para governador. No auge da carreira, abraçou-se a Luiz Inácio Lula da Silva, Pelé e Eduardo Paes para comemorar a escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Porém, a queda de um helicóptero e a divulgação de um conjunto de fotos iniciaram uma escalada de revelações que o obrigou a se retirar da cena pública. Agora, dois anos e sete meses depois de deixar o cargo de governador, Cabral, aos 53 anos, preso pela Lava-Jato nesta quinta-feira, em seu apartamento no Leblon, volta à cena como alvo principal da operação denominada “Calicute”. A expedição de Pedro Álvares Cabral às Índias marcou a ascensão e queda do navegador no início do século XVI.
Cabral, o ex-governador, é acusado pela Lava-Jato de liderar um grupo acusado pelos crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro. As investigações apuraram um desvio de cerca de R$ 224 milhões com diversas empreiteiras, dos quais R$ 30 milhões somente com a Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia em obras como reforma do Maracanã e o Arco Metropoliltano em troca de aditivos em contratos públicos e incentivos fiscais, que estão na base da atual insolvência financeira do Estado.
INVESTIGAÇÃO – Nos últimos três meses O Globo conversou com pessoas ligadas a Cabral, visitou diversos endereços do ex-governador e de personagens envolvidos na investigação e buscou documentos que reforçam o esquema apurado pela Lava-Jato. Com a prisão de Cabral, O Globo antecipa a publicação deste especial, que revela a proximidade da relação do peemedebista com empreiteiros que mantinham contratos bilionários com o governo do Estado e como isso se reverteu em bens para o ex-governador, agentes públicos e empresários.
Se a operação Lava-Jato de Curitiba descobriu o “pixuleco”, termo usado pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto ao se referir à propina cobrada de empreiteiras, o dinheiro de corrupção no governo Cabral também tinha um vocábulo próprio: “oxigênio”. Era assim que o ex-secretário estadual de Obras Hudson Braga (novembro de 2011 a dezembro de 2014) tratava o suborno exigido das empresas nos grandes contratos de obras, de acordo com delação premiada das empreiteiras.
Cálculos do Ministério Público Federal demonstram que o esquema comandado pelo ex-governador provocou um rombo em projetos executados pela Carioca Engenharia e pela Andrade Gutierrez.
PROPINAS DE 7% – De acordo com as delações das duas empresas, 7% do valor total foi convertido em propina e dividido da seguinte forma: 5% para Cabral, 1% para Braga e 1% para conselheiros do Tribunal de Contas do Rio (TCE), responsável pela fiscalização dos contratos. O pagamento de propina era efetuado em espécie. Cada empreiteira tinha um responsável pelo pagamento e cada beneficiado, o seu cobrador.
As investigações coletaram provas de que o dinheiro pago ilegalmente foi, em parte, lavado por empresas criadas pelos próprios favorecidos, usando nomes de amigos e parentes. Outro provável destino foi o cofre de uma transportadora de valores, novo método de camuflar dinheiro de origem ilegal. O esquema bancou, segundo a apuração, uma vida de luxo para os envolvidos que inclui viagens internacionais, idas a restaurantes sofisticados, compras de joias e uso de lancha e helicóptero em nome de laranjas.
OUTROS OPERADORES – O economista Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, o Carlinhos, ex-marido de uma prima de Cabral, , e, eventualmente, Luiz Cláudio Bezerra, outro integrante do círculo íntimo do ex-governador, são acusados de atuar como operadores do peemedebista. Toda a negociação entre as empreiteiras e as autoridades era mediada pelo ex-secretário de governo de Cabral, Wilson Carlos, a quem cabia a distribuição da propina, segundo as próprias empreiteiras. Os investigadores suspeitam que parte deste dinheiro era distribuído para deputados estaduais, federais e outros agentes políticos que serão alvos da próxima etapa da investigação.
Outras delações em negociação, como por exemplo a do ex-diretor da OAS no Rio, Reginaldo Assunção, deverão reforçar os indícios de corrupção do esquema. Também negocia colaboração Fernando Cavendish, ex-dono da Delta Construções, cuja revelação da amizade marca o início do declínio de Cabral. Como revelou O Globo, Cavendish presenteou a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo durante uma viagem a Mônaco com um anel avaliado em R$ 800 mil.
DELAÇÕES – As primeira delações sobre o braço da Lava-Jato no Rio foram feitas por Clóvis Primo e Rogério Numa, executivos da Andrade Gutierrez feitas no âmbito do inquérito do caso Eletronuclear. Os dois revelaram ao MPF e à Polícia Federal (PF) que os executivos das empreiteiras se reuniram no Palácio Guanabara, sede do governo, para tratar da propina e que houve cobrança nos contratos de grandes obras. O mesmo esquema foi confirmado pelos acionistas da Carioca Engenharia, Ricardo Pernambuco e Ricardo Pernambuco Júnior em delação ainda não compartilhada pelo MPF do Rio.
Agora, em depoimento revelado pelo O Globo, Alberto Quintaes, diretor responsável pelo pagamento da propina da Andrade, confirmou que entregava em dinheiro vivo o pagamento ao operador de Cabral, Carlinhos Miranda. O mesmo esquema foi confirmado por outros funcionários da Andrade Gutierrez, Rodolfo Mantuano e Tânia Fontenele.
17 de novembro de 2016
Chico Otavio e Daniel Biasetto
O Globo
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