Suspeito de ter obtido vantagens indevidas durante toda sua vida pública, segundo a Lava Jato, o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB) movimentou cerca de R$ 25,2 milhões na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) entre 2009 e 2014, sendo a maior parcela em compras e vendas de papéis da OGX e da Petrobrás.
Os números constam de extrato de movimentação e negociação BMF&Bovespa encaminhado à 6ª Vara Federal Cível no Paraná, que decretou a indisponibilidade de R$ 220 milhões do peemedebista – incluindo ativos na bolsa de valores – em uma ação de improbidade administrativa movida pela Procuradoria da República contra ele.
Os dados mostram a atuação do “investidor” Cunha, que, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, teve prejuízo estimado de R$ 70 mil nos papéis da estatal petrolífera que investiu, e realizava investimentos em papéis da estatal Petrobrás apenas para “girar dinheiro”, sem expectativas de muitos ganhos ou perdas.
PERFIL AGRESSIVO – Em suas contas secretas identificadas pela Suíça, por outro lado, o peemedebista era classificado como investidor de “perfil agressivo”, segundo a o banco Merryl Lynch, onde Cunha abriu offshores. O dinheiro no exterior, contudo, não era aplicado por Cunha na bolsa brasileira, mas sim na de Nova York onde, em três meses, ele teve um lucro de US$ 289 mil a compra e venda de ações da Petrobrás.
As operações ocorreram no primeiro semestre de 2009, quando as ações da estatal ainda sofriam grande alavancagem no mercado de capitais por causa dos sucessivos anúncios de descobertas de óleo na camada do pré-sal.
Numa das operações, realizadas pela conta Triumph no braço suíço do Merryl Lynch (atualmente Julius Bär), atribuída ao deputado, foi comprado em 26 de janeiro de 2009 um lote de 20.000 ações por US$ 480 mil (preço individual de US$ 23,75). Em abril, ele vendeu por US$ 699 mil (US$ 35 dólares por ação).
No mês seguinte, ele vendeu por US$ 318 mil por um outro lote de ações também adquirido em janeiro por US$ 248 mil. Essa movimentação no exterior, contudo, não era conhecida das autoridades brasileiras até a Lava Jato revelar, com o apoio da Suíça, a movimentação secreta do peemedebista.
AÇÕES DE EIKE – Já no Brasil, foram adquiridos pelo ex-parlamentar R$ 490 mil em ações da OGX em dezembro de 2009, quantia que foi quase toda vendida em 2012, quando Cunha vendeu 21,2 mil das 28,4 mil ações que possuía. Já em relação à Petrobrás, o peemedebista adquiriu papéis conhecidos como opções de compra, e opções de venda, no valor total de R$ 12 milhões, entre 2009 e 2014. No mesmo intervalo de tempo, foram registradas vendas destes mesmos papéis no valor de R$ 9,5 milhões.
As opções são papéis nos quais se obtém o direito de compra ou de venda de determinada ação a um preço estipulado na data de vencimento – quando o responsável pelo papel deve decidir se exerce ou não o direito de compra ou venda. Em outras palavras, os papéis funcionam como uma espécie de “aposta” de qual será o preço de determinada ação no futuro, sendo que a pessoa é obrigada a tomar uma decisão na data de vencimento (ou exerce o direito de compra ou venda ou perde os papéis). Se o valor da ação na data estipulada for acima do esperado, a pessoa pode comprar as ações e lucrar revendendo elas, por exemplo.
APENAS “GIRANDO” – No caso de Cunha, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, chamou a atenção o fato de que, em suas movimentações no Brasil, ele renovava constantemente as opções de compra e de venda da Petrobrás, indicando que deixou o dinheiro na bolsa apenas para ficar “girando”, sem ter ganhou ou perdas muito grandes.
Além disso, os dados de negociações do ex-deputado na Bovespa revelam que ele operava papéis da Petrobrás ao mesmo tempo em que cobrava propina de empresários. Em uma das denúncias contra ele, por exemplo, o procurador-geral da República Rodrigo Janot aponta que Eduardo Cunha teria se reunido no Rio de Janeiro em 18 de setembro de 2011 com o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e o executivo Júlio Camargo, que representava o estaleiro Samsung Heavy Industries. Na ocasião, segundo a PGR, o encontro ocorreu para cobrar a propina devida por Camargo referente a contratos de navios-sonda fechados pela Samsung com a Petrobrás
NAVIOS-SONDA – O estaleiro fechou contratos com a estatal para o fornecimento de dois navios-sonda, um em 2006 e um em 2007, negócio que a Lava Jato aponta que houve propina de ao menos US$ 5 milhões a Cunha. Em 2011, contudo, o estaleiro havia pagado de fazer os pagamentos e, por isso, Júlio Camargo contou ter sido pressionado no encontro com o peemedebista. “Eu ainda tenho a receber US$ 5 milhões de dólares em relação a esse ‘pacote’”, disse o peemedebista segundo os delatores.
No dia seguinte, 19 de setembro, Cunha aparece comprando na Bovespa R$ 506,6 mil em opções de venda da estatal e vendendo R$ 202 mil em opções de compra. O peemedebista sempre rechaçou envolvimento em irregularidades. A reportagem tentou contato com a defesa de Cunha na noite de sexta para comentar sobre as movimentações financeiras do peemedebista, mas os advogados não foram localizados.
DUAS AÇÕES PENAIS – Preso na quarta-feira, 19, Eduardo Cunha já é réu em duas ações penais acusado de receber propinas em dois negócios no esquema de corrupção na Petrobrás e de usar contas secretas na Suíça para movimentar valores ilícitos e ocultar seu patrimônio.
Ele também já foi alvo de uma terceira ação por receber propinas para liberação de recursos de obras do Fundo de Investimentos do FGTS da Caixa Econômica Federal, que ainda não foi analisada. Todas essas ações fazem parte do conjunto de sete inquéritos que foram abertos contra o peemedebista no Supremo Tribunal Federal quando ele ainda era deputado e que agora foram remetidos para a Justiça nos Estados do Paraná e Rio de Janeiro, e do Distrito Federal
A defesa de Eduardo Cunha afirma que vai demonstrar no curso do processo que não houve nenhuma ilegalidade nas movimentações que ele fazia na Bolsa de Valores. “Quanto a fatos específicos os advogados vão se manifestar nos autos do processo”, disse o advogado Ticiano Pinheiro, um dos defensores de Cunha. A defesa afirma que não houve a reunião entre Cunha e Júlio Camargo. “Contestamos veementemente a ocorrência da reunião. É uma criação do Júlio”, disse.
24 de outubro de 2016
Mateus Coutinho, Julia Affonso e Ricardo Brandt
Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário