Como é cautelosa a Justiça brasileira. Dá orgulho na gente. Garante o direito de defesa em tal medida que o acusado com bons advogados permanece em liberdade durante anos. São tantos os recursos jurídicos que o cidadão muitas vezes morre antes de a sentença transitar em julgado.
Assaltantes enriquecidos com verbas públicas depositadas na Suíça e em outros paraísos que asseguram o bem-estar de seus cidadãos graças à receptação de dinheiro roubado podem se livrar da cadeia com a maior facilidade.
Organizados em quadrilhas, esses meliantes são considerados inocentes até que alguém prove o contrário. Não é bonito? Não importa se as investigações descobriram milhões de dólares em contas secretas; não vem ao caso se moram em residências nababescas, guardam na garagem carros importados a peso de ouro, tomam vinhos que custam os olhos da cara ou se hospedam no Ritz de Paris com o salário de servidores públicos.
É SÓ MALFEITO – A preocupação obsessiva com eventuais erros judiciários coloca à disposição desses criminosos um arsenal de ferramentas que lhes dá acesso imediato a habeas corpus, tornozeleiras eletrônicas, prisão domiciliar em mansões, delações premiadas e ao foro privilegiado, o sonho de todo bandido. Para eles, a ladroagem mais descarada recebe o nome de “malfeito”.
Em São Paulo convivemos com o PCC, que comanda uma organização presente nas 27 unidades da Federação, além de Paraguai, Bolívia, Peru e outros vizinhos. Segundo o Ministério Público, essa multinacional do crime detém o monopólio do tráfico de drogas ilícitas que movimenta cerca de R$ 200 milhões por ano.
É muito? Dinheiro de pinga comparado aos R$ 6 bilhões roubados pelo conluio de empresários e políticos apenas na Petrobras, conforme lançado no balanço oficial da companhia, considerada “senhora respeitável” por um quadrilheiro delator.
CRIMINOSO PÚBLICO – Se eu pretendesse fazer carreira no crime organizado, optaria por me candidatar a um cargo público, de preferência na esfera federal. Sem menosprezar as negociatas municipais e estaduais, é pelas torneiras do governo central que jorra a grana mais grossa.
No PCC, eu seria batizado e juraria fidelidade eterna. Até aí, tudo bem, em Brasília seria a mesma coisa, mas com uma diferença: entre os políticos a exigência de fidelização é frouxa, a traição faz parte do “jogo de cintura”. No Comando, é levada a julgamento por tribunais que condenam à morte.
No governo, a pena seria extinta, caso não aplicada dentro de prazos pré-estabelecidos. No crime de revólver na mão, malfeitos não prescrevem. Se não pagar por eles, alguém de minha família o fará.
DELAÇÃO? JAMAIS – Delação premiada em troca de regalias generosas, então, Deus me livre. Seria morte imediata, ainda que a confissão fosse arrancada por meio de espancamento, afogamentos e choques no meu sexo.
Viveria em sobressalto, perseguido pela polícia, com os inimigos prontos para tomar o que me custou sacrifício. Em Brasília, de terno e gravata, frequentaria festas elegantes, reuniões no palácio, viajaria em jatinhos, negociaria com empresários e banqueiros, andaria com motorista e carro oficial, a polícia estaria às ordens para me proteger.
Na eventualidade de cair nas malhas da lei, contrataria os melhores e mais caros escritórios de advocacia. No crime sem glamour, mal conseguiria um advogado de porta de cadeia; professores universitários, ex-desembargadores e criminalistas de renome jamais aceitariam lidar com um bandido mixo como eu.
SEM REGALIAS – Na prisão, seria enjaulado num CDP com mais de 20 ladrões numa cela com quatro beliches. Dormiria em cima de um papelão ao pé do vaso sanitário. Para o privilégio de deitar numa das camas, haveria de aguardar que uma dúzia de companheiros fosse libertada ou transferida. Passaria dois ou três anos nessas condições, até ser julgado.
A quadrilha me daria R$ 350 mensais para arcar com o custo de vida atrás das grades. Minha mulher receberia uma cesta básica por mês e passagens de ônibus para me visitar, quando fosse transferido para o interior. Dá para comparar com o padrão de vida das mulheres deles?
O PCC que me desculpe, mas é muito mais negócio entrar para as quadrilhas oficiais. (artigo enviado pelo comentarista Mário Assis Causanilhas)
14 de julho de 2016
Drauzio Varella
Folha
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