O governo acaba de criar um comitê específico para tentar pôr ordem nas fronteiras brasileiras. Trata-se de uma resposta às críticas do TCU, que expôs o problema há poucos meses numa avaliação devastadora.
Tomar conta das fronteiras brasileiras é uma tarefa dificílima. A faixa de 17 mil quilômetros de extensão terrestre envolve quase 600 municípios e dez países vizinhos. O fluxo estimado de contrabando e pirataria está na casa de R$ 100 bilhões, uma conta na qual nem sequer entram o tráfico de drogas e de armas de fogo, a prostituição, a posse ilegal de terras e o trabalho escravo. Numa área de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, estabelecer comando e controle demandaria algo análogo a uma enorme operação de guerra.
O relatório do TCU revela o drama. O chamado "Plano Estratégico de Fronteiras" de 2011 não é plano nem é estratégico. Seus objetivos são confusos ou contraditórios, os processos opacos e a sincronização entre as 13 instâncias do governo quase inexistente. Não há prioridades claras nem divisão clara de tarefas. Os organismos envolvidos carecem de pessoal, recursos e autoridade para atuar.
Além de disfuncional, o TCU aponta que a gestão da faixa de fronteira é anacrônica. Toma como premissa a ideia falsa segundo a qual seria possível "blindar" ou "fechar" a fronteira. Ignora a necessidade imperiosa de envolver as populações locais para garantir o êxito da política, e desconhece o fato de que, na prática, é impossível encontrar soluções exclusivamente nacionais para problemas transfronteiriços.
O TCU não para por aí. Numa outra auditoria, avalia o programa piloto do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras do Comando do Exército (Sisfron). O tribunal encontra problemas graves de concepção e gestão, além de fazer um alerta: orçada em R$ 12 bilhões, a iniciativa corre o risco de repetir os mesmos erros do sistema de monitoramento da Amazônia (Sivam).
O próprio Temer reconhece o problema, mas ninguém no governo tem uma fórmula para resolvê-lo. Quem buscar soluções ainda enfrentará a poderosa resistência das redes criminais que atuam em prefeituras da fronteira, têm voz em governos estaduais e se fazem representar no Parlamento. Também terá uma batalha ladeira acima para obter o apoio de empresários do setor agrícola e de seus fornecedores, que convivem com a situação no terreno. Difícil achar alguém disposto para a empreitada.
Duzentos anos depois da independência e um século após a consolidação de seu território, o Brasil volta a ter na faixa de fronteira o problema mais pernicioso de sua política externa.
15 de julho de 2016
Matias Spektor, Folha de SP
Tomar conta das fronteiras brasileiras é uma tarefa dificílima. A faixa de 17 mil quilômetros de extensão terrestre envolve quase 600 municípios e dez países vizinhos. O fluxo estimado de contrabando e pirataria está na casa de R$ 100 bilhões, uma conta na qual nem sequer entram o tráfico de drogas e de armas de fogo, a prostituição, a posse ilegal de terras e o trabalho escravo. Numa área de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, estabelecer comando e controle demandaria algo análogo a uma enorme operação de guerra.
O relatório do TCU revela o drama. O chamado "Plano Estratégico de Fronteiras" de 2011 não é plano nem é estratégico. Seus objetivos são confusos ou contraditórios, os processos opacos e a sincronização entre as 13 instâncias do governo quase inexistente. Não há prioridades claras nem divisão clara de tarefas. Os organismos envolvidos carecem de pessoal, recursos e autoridade para atuar.
Além de disfuncional, o TCU aponta que a gestão da faixa de fronteira é anacrônica. Toma como premissa a ideia falsa segundo a qual seria possível "blindar" ou "fechar" a fronteira. Ignora a necessidade imperiosa de envolver as populações locais para garantir o êxito da política, e desconhece o fato de que, na prática, é impossível encontrar soluções exclusivamente nacionais para problemas transfronteiriços.
O TCU não para por aí. Numa outra auditoria, avalia o programa piloto do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras do Comando do Exército (Sisfron). O tribunal encontra problemas graves de concepção e gestão, além de fazer um alerta: orçada em R$ 12 bilhões, a iniciativa corre o risco de repetir os mesmos erros do sistema de monitoramento da Amazônia (Sivam).
O próprio Temer reconhece o problema, mas ninguém no governo tem uma fórmula para resolvê-lo. Quem buscar soluções ainda enfrentará a poderosa resistência das redes criminais que atuam em prefeituras da fronteira, têm voz em governos estaduais e se fazem representar no Parlamento. Também terá uma batalha ladeira acima para obter o apoio de empresários do setor agrícola e de seus fornecedores, que convivem com a situação no terreno. Difícil achar alguém disposto para a empreitada.
Duzentos anos depois da independência e um século após a consolidação de seu território, o Brasil volta a ter na faixa de fronteira o problema mais pernicioso de sua política externa.
15 de julho de 2016
Matias Spektor, Folha de SP
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