"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

OS PRIVILÉGIOS DOS SERVIDORES

Somos viciados em privilégios. No Brasil, todo mundo tem, ou busca, um privilégio para chamar de seu


Uma hora esta caixa-preta será aberta. O debate da Previdência Social já mudou as leis em vários países. Não há como nenhum Estado pagar aposentadoria integral de supersalários a funcionários e seus viúvos e viúvas e dependentes. Aposentadorias, pensões e benefícios pagos pela Previdência representam cerca de 20% dos gastos do governo. Vai piorar. Não dá.

Se é para equilibrar contas públicas e não quebrar o país, essa vaca terá de deixar de ser sagrada. Além de prender os ladrões sem-vergonha da República, o Brasil precisa da reforma da Previdência. O Brasil e o resto do mundo, que hoje envelhece muito. Não é para fazer maldade, mas para não perpetuar privilégios e desigualdades até os 100 anos de idade. Há, em países menos hierarquizados, uma estrutura de saúde e acolhimento digna e mais democrática para os velhinhos.

A estabilidade dos servidores – direito adquirido, previsto na Constituição – é outro tabu a discutir. A impossibilidade de demitir um servidor colide com a meritocracia e estimula a acomodação. Alguns países acabaram com a estabilidade, outros a flexibilizaram ou adotaram contratos temporários. O desempenho do servidor passa a ser controlado, premiado ou punido.

O foco do serviço público deveria ser a satisfação do cliente e não a garantia do servidor num emprego vitalício. 
Há casos em que o servidor se torna mero aproveitador de um cargo ou emprego ao qual só comparece para assinar o ponto ou nem sequer comparece por ter outras fontes de renda. Uma minoria, sim, nascida de um sistema de privilégios.

É um assunto explosivo. Na semana passada, recebi vários protestos de servidores à minha coluna (“O trem da vergonha nos Três Poderes”) que criticava os reajustes e aumentos aprovados pela Câmara a 16 categorias de funcionários públicos, num momento de ajuste fiscal. 
Dá para entender a mágoa de alguns, quando eu chamo os servidores de “casta privilegiada”. Generalizações são mesmo injustas. Se pensarmos nos professores e policiais, que cuidam de educação e segurança, não há nada de privilégio no dia a dia deles.

Alguns desses leitores não tinham reajuste em seus vencimentos havia vários anos e, com a aprovação do pacote e a bênção do presidente interino Michel Temer, poderão repor as perdas da inflação. 
Aumentos reais estavam embutidos no pacote de bondades.
 É importante que os servidores tenham em mente que trabalhadores do setor privado estão abrindo mão de direitos trabalhistas e até de reposição de perdas, para se adequar à crise e evitar demissão. Os autônomos – exceto profissionais liberais como os médicos – tampouco conseguem repor a inflação.

O leitor Alcides Pestana escreveu que “esses jornalistas vivem à caça de notícias deste naipe, será ódio?”. 
O leitor Fábio Vicente disse que “o ódio pelo servidor público nasce da incapacidade de ser aprovado em concursos os quais (sic) a concorrência chega a mais de 2 mil candidatos/vaga”. O leitor Roberto Tavares disse que “chamar os servidores públicos de casta é um desrespeito com a categoria. Se acham que somos privilegiados, demonstrem que são capazes e façam concurso público”.

Muitos servidores se acham mesmo superiores só porque fazem concurso público. Frequentemente alegam, a seu favor, que “dão o máximo para servir o país”. 
E isso lhes dá direito a estabilidade e aposentadoria integral? O leitor Paulo Roberto de Almeida, em reação a um editorial do jornal O Estado de S. Paulo, “O déficit da previdência pública”, escreveu: “Eu sou um funcionário público e, para que fique muito claro, quero deixar explícito, mais uma vez, que sou contra: 1) estabilidade no setor público 2) privilégios de qualquer tipo em relação ao setor privado 3) salários exorbitantes 4) outros abusos e vantagens típicos do mandarinato que caracteriza o Brasil. Acho que vai demorar para corrigir, se é que um dia se corrigirão essas iniquidades”.

Há muitas maneiras de enriquecer no Brasil. A mais rápida é se tornando vereador, deputado, senador, prefeito, governador e presidente – ou dando a sorte de ser mulher, marido, filho ou parente de qualquer um deles. 
Não só pelo que ganham, mas pelo que desviam, mamam e roubam (não todos, mas...). 
Uma outra maneira, mais lenta, de se dar bem na vida financeiramente é: conseguir um emprego público. 
Faça concurso, e mais concurso, insista. Assim você não poderá ser demitido e vai ganhar tanto penduricalho e benefício em seus vencimentos ao longo da vida que ficará garantido. Mire nos Tribunais de Contas.

No livro Estado, democracia e administração pública no Brasil, o autor, Marcelo Douglas de Figueiredo Torres, escreve: “A defesa de velhos e insustentáveis privilégios geralmente se esconde sob o seguinte argumento: se é para corrigir o problema A, também deveremos atacar simultaneamente os outros problemas B, X, Y ou Z. É cristalino que essa posição é absolutamente fundada na defesa dostatu quo. Na prática, o raciocínio é o seguinte: se é preciso acabar com os privilégios dos funcionários públicos, também devemos resolver as questões da sonegação fiscal e dos incentivos tributários, da corrupção, dos favorecimentos na execução orçamentária, dos subsídios aos grandes agricultores, dos empréstimos camaradas do BNDES, dos lucros aviltantes do setor financeiro e assim por diante”. É claro que é fundamental melhorar a gestão da Previdência. Mas não basta.

O Brasil, dos iletrados aos pós-doutores, sabe que corrupção não se combate com altos salários, mas com leis, valores éticos e morais, corregedorias eficientes. E com o controle social. O problema é que nossa sociedade é viciada em privilégios. Todo mundo tem, ou busca, um privilégio para chamar de seu.



16 de junho de 2016
Ruth de Aquino, Época

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