O jornal inglês The Guardian explicou nesse domingo a decisão da Inglaterra de abandonar a União Europeia como “rejeição da globalização”.
Aceitos tais termos, esse não é fenômeno exclusivamente inglês. Se é mesmo reação impulsiva contra a globalização, é o que ainda está para se ver. O fato é que se espraia pelo mundo, entre as classes médias, a percepção de que estão sendo expropriadas “pelo sistema” ou pelos estrangeiros. Ou, simplesmente, acham que estão tirando delas muito mais do que estão entregando.
O argumento central dos catalães, que fundamenta o movimento pela sua independência da Espanha, tamborila o mesmo pandeiro: o de que o governo central devolve apenas fração do que contribuem. E o mesmo pode-se dizer do pleito separatista dos escoceses em relação à Grã-Bretanha.
Por toda parte, ganha força a queixa de que o emprego nos países avançados está sumindo, de que está sendo tomado por chineses, coreanos, indianos, tailandeses e, até mesmo, brasileiros, que aceitam receber menos.
É a percepção que se avoluma, não só porque cada vez mais produtos de consumo provêm do exterior: camisetas, calçados, aparelhos eletrônicos, remédios e até veículos de luxo. Mas também porque o próprio mercado interno de trabalho está sendo tomado por imigrantes do Oriente Médio, da América Latina e, principalmente, do Leste Europeu. Daí também a rejeição à entrada de refugiados e o crescimento dos movimentos da direita nacionalista xenófoba.
No rastro do envelhecimento da população global, os segmentos mais idosos, coincidentemente os que, na Inglaterra, também mais apoiaram o Brexit, cresce outro foco de insegurança: o de que as aposentadorias correm grave risco. Não são apenas os sistemas oficiais de aposentadoria e pensão que estão se debilitando com a redução do emprego e da contribuição das novas gerações. Também os sistemas complementares destinados a reforçar a renda dos mais velhos estão sendo esvaziados. Na maioria dos países avançados, os juros hoje são negativos. Para aplicar dinheiro no banco - coisa nunca antes vista - é preciso entregar mais dinheiro do que se recebe. O rendimento real dos fundos de investimento está em queda. Esta é uma situação que também reflete o esgotamento das políticas monetárias dos grandes bancos centrais, nos seus esforços para tirar suas economias da recessão.
É parte do mesmo fenômeno a exaustão dos esquemas de financiamento dos benefícios proporcionados pelo estado do bem-estar social (welfare state). Os tesouros nacionais já não dão mais conta do pagamento do seguro-desemprego, dos planos universais de saúde pública e de educação. Os partidos de direita alegam que isso acontece em consequência da invasão de estrangeiros.
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A decisão tomada pelos ingleses foi impulsiva. Aparentemente, não se deram conta de que a saída lhes custará muito mais do que a permanência na União Europeia. Falta saber se o acontecido servirá de lição, não apenas para os ingleses, mas também para tanta gente pelo mundo que se sente espoliada, seja pelo sistema, seja pelos outros.
Terrorismo retórico
Ainda será preciso ver em que nível se acomoda a desvalorização da moeda inglesa em razão do Brexit. Além do aumento do custo de vida (pelo encarecimento dos importados), será inevitável a perda de renda e a desvalorização do patrimônio dos ingleses, especialmente o imobiliário. Nenhum desses efeitos deixou de ser denunciado pelos defensores da permanência. Mas, aparentemente, foram tomados como manifestações de terrorismo retórico.
29 de junho de 2016
Celso Ming, O Estadão
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