O presidente Michel Temer deu uma demonstração de humildade raramente vista em nossos dias ao recriar o Ministério da Cultura (MinC), diante da reação negativa da classe artística. A junção da Cultura com a Educação foi considerada um retrocesso, e claramente o governo Temer não estava preparado para uma reação de dimensão nacional como a que aconteceu.
Os diversos recuos já contabilizados no novo governo indicam certa descoordenação, mas, também, a capacidade de mudar rapidamente, que pode ser confundida com fraqueza, mas será melhor entendida como disposição democrática de ouvir os contrários e, constatado o erro, revê-lo.
A disposição ao diálogo já havia sido exibida pelo agora ministro da Cultura, Marcelo Calero, e veremos, a partir da revisão do governo, quem estava se aproveitando da situação para fazer luta política, e aqueles que se preocupavam mesmo com o futuro da cultura no país.
Quem diz que não reconhece esse governo como legítimo, pode continuar assumindo essa postura à espera de que a presidente afastada, Dilma Rousseff, seja reconduzida novamente ao cargo.
Nada indica que isso acontecerá, e os que escolherem o caminho da radicalização terão que encontrar novos meios de financiarem suas atividades culturais, pois é impensável imaginar que mais à frente, diante da realidade que se recusam a aceitar, voltem a buscar no governo “ilegítimo” o apoio de que precisarem.
Assumir a posição política de considerar ilegítimo um governo respaldado pela Constituição Federal, pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é praticamente transformar se em pária na sociedade. Vão parar de pagar impostos? Vão se recusar a aceitar as obrigações impostas pelo Estado, como ter um CPF, uma ID, se identificar às autoridades quando necessário? Vão se recusar a parar no sinal de trânsito?
A partir do momento em que se considera que o presidente da República é ilegítimo, tudo o mais perde a legitimidade em uma sociedade que é organizada a partir de direitos e deveres dos cidadãos e do Estado, numa relação legitimada no cumprimento diário de obrigações e no exercício de direitos.
Muito diferente é discordar de uma decisão do governo e combatê-la, dentro da legalidade, como está fazendo a maioria dos artistas e intelectuais, em diversos pontos do país, para protestar contra o fim do Ministério da Cultura. É uma posição de defesa de uma concepção do que seja cultura, a qual eles têm todo o direito de fazer.
Até as ocupações de prédios públicos, mesmo afrontando a lei, estão sendo compreendidas como atos políticos legítimos, simbólicos do que a classe artística defende.
Mas aproveitar a ocasião para transformar a defesa da cultura em defesa da derrubada de um governo legítimo, que dá mostras de ser capaz de rever posições e dialogar, é atitude de rebeldia oca, que dificilmente levará a um levante popular para colocar Dilma Rousseff na Presidência da República novamente.
Se o bom senso prevalecer, é possível que a classe artística ganhe mais terreno para ampliar a atuação do Ministério da Cultura, e é isso que deveria estar sendo discutido a partir da bem-sucedida ação de protesto.
24 de maio de 2016
Merval Pereira, O Globo
Os diversos recuos já contabilizados no novo governo indicam certa descoordenação, mas, também, a capacidade de mudar rapidamente, que pode ser confundida com fraqueza, mas será melhor entendida como disposição democrática de ouvir os contrários e, constatado o erro, revê-lo.
A disposição ao diálogo já havia sido exibida pelo agora ministro da Cultura, Marcelo Calero, e veremos, a partir da revisão do governo, quem estava se aproveitando da situação para fazer luta política, e aqueles que se preocupavam mesmo com o futuro da cultura no país.
Quem diz que não reconhece esse governo como legítimo, pode continuar assumindo essa postura à espera de que a presidente afastada, Dilma Rousseff, seja reconduzida novamente ao cargo.
Nada indica que isso acontecerá, e os que escolherem o caminho da radicalização terão que encontrar novos meios de financiarem suas atividades culturais, pois é impensável imaginar que mais à frente, diante da realidade que se recusam a aceitar, voltem a buscar no governo “ilegítimo” o apoio de que precisarem.
Assumir a posição política de considerar ilegítimo um governo respaldado pela Constituição Federal, pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é praticamente transformar se em pária na sociedade. Vão parar de pagar impostos? Vão se recusar a aceitar as obrigações impostas pelo Estado, como ter um CPF, uma ID, se identificar às autoridades quando necessário? Vão se recusar a parar no sinal de trânsito?
A partir do momento em que se considera que o presidente da República é ilegítimo, tudo o mais perde a legitimidade em uma sociedade que é organizada a partir de direitos e deveres dos cidadãos e do Estado, numa relação legitimada no cumprimento diário de obrigações e no exercício de direitos.
Muito diferente é discordar de uma decisão do governo e combatê-la, dentro da legalidade, como está fazendo a maioria dos artistas e intelectuais, em diversos pontos do país, para protestar contra o fim do Ministério da Cultura. É uma posição de defesa de uma concepção do que seja cultura, a qual eles têm todo o direito de fazer.
Até as ocupações de prédios públicos, mesmo afrontando a lei, estão sendo compreendidas como atos políticos legítimos, simbólicos do que a classe artística defende.
Mas aproveitar a ocasião para transformar a defesa da cultura em defesa da derrubada de um governo legítimo, que dá mostras de ser capaz de rever posições e dialogar, é atitude de rebeldia oca, que dificilmente levará a um levante popular para colocar Dilma Rousseff na Presidência da República novamente.
Se o bom senso prevalecer, é possível que a classe artística ganhe mais terreno para ampliar a atuação do Ministério da Cultura, e é isso que deveria estar sendo discutido a partir da bem-sucedida ação de protesto.
24 de maio de 2016
Merval Pereira, O Globo
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