Dilma fracassou em tudo o que tentou. Queria aparecer como uma mulher de "coração valente"; conseguiu ser apenas incompreensível
Derrotas políticas nunca são boas, por mais esforço que haja nas tentativas de encontrar palavras de consolo ─ é comum ouvir que o personagem derrotado “caiu de pé”, por exemplo, ou que saiu “engrandecido”, ou que a sua derrota teve “sabor de vitória”, como se diz em jogos de futebol. Mas sempre é possível, no momento do fracasso, tornar as coisas ainda piores do que já são naturalmente. É o que está acontecendo com a presidente Dilma Rousseff, colocada na reta final da sua deposição pelas últimas decisões do Senado Federal no julgamento do impeachment. Depois de passar um ano inteiro, pelo menos, fazendo tudo o que podia para perder o cargo, ela faz agora tudo o que pode para liquidar qualquer possibilidade de simpatia em seu favor. Pôs para si própria o objetivo de apresentar-se como vítima; só consegue na prática, e cada vez mais, aparecer como uma perdedora mal-humorada, agressiva e carregada de rancor, despeito e soberba. Num dos momentos mais extraordinários na história moderna do país, transformou sua desgraça pública em espetáculo de pequenez.
Tudo de que Dilma precisa para manter-se na presidência da República é conseguir, nestes próximos 180 dias de suspensão do seu mandato, que 28 senadores não votem por sua condenação nos crimes de fraude contábil dos quais é acusada. São apenas 28 votos num total de 81, meta que até algum tempo atrás parecia coisa bem fácil ─ será que não arruma nem isso? Mas, por mais que a aritmética comum esteja do seu lado, ela agiu com tanta tenacidade pela própria destruição que o punhado de votos necessários à sua salvação se tornou uma soma imensa, que exige portentos de natureza desconhecida para ser alcançada hoje. A ópera não acaba até a senhora gorda cantar, diz a expressão coloquial criada nos tempos em que era permitida a presença nos palcos de sopranos com excesso de peso. O impeachment também não; só acabará na hora em que o plenário do Senado fizer a votação final. Mas ninguém é capaz nem sequer de imaginar que tipo de governo seria possível com Dilma de volta ao Palácio do Planalto ─ não numa situação em que a presidente da República tem contra si algo como 75% do Congresso, para não falar da população, o presidente da Câmara foi cassado da função, seu sucessor legal é uma nulidade encurralada pela Justiça penal e o presidente do Senado tem contra si uma cordilheira de doze inquéritos.
Seja como for, a derrota já contratada para o futuro próximo vai virando, pela atuação direta de Dilma, um drama de circo com qualidade cada dia mais baixa. Dilma culpa o impeachment pelo desemprego de 11 milhões de brasileiros arruinados pela recessão que o seu governo criou de 2014 para cá. Inventa acusações desligadas de qualquer fato real ─ como a de que o seu sucessor vai “cortar” o Bolsa Família de “36 milhões” de pessoas. Na última avaliação internacional do Brasil antes de ser afastada da presidência, foi humilhada com mais um rebaixamento de nota. A poucas horas da suspensão do seu mandato, ainda tentava armar chicanas para segurar o cargo ─ incluindo uma prodigiosa tentativa de anular a votação de 367 deputados que autorizou o Senado a julgar o impeachment. Fracassou, frequentemente sob um coro de risos, piadas e vaias, em tudo o que tentou. Queria aparecer como uma mulher de “coração valente”; conseguiu ser apenas incompreensível, e todo o seu esforço para aparentar resistência acabou reduzido a uma exibição miúda de neurastenia, insignificância e irresponsabilidade teimosa. Onde teria ido parar a gravidade dramática que pode dar, às vezes, um verniz de fato histórico sério a derrotas como essa? Não apareceu. Não vai aparecer.
Dilma Rousseff não é ajudada pelo fato de que não precisou, em nenhum momento desses episódios, praticar algum ato de coragem. Não é uma versão de Salvador Allende, de capacete, colete à prova de balas e metralhadora na mão, resistindo no Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile ─ não há ninguém atirando nela do lado de fora. Não precisou, como Perón na Argentina, refugiar-se numa canhoneira paraguaia para escapar à prisão ─ não há nenhuma tropa armada atrás de Dilma. Vai para os confortos do Palácio da Alvorada, onde viverá o futuro próximo com sustento garantido pelo Erário, cercada de advogados e livre para ir aonde bem entender. O futuro de presidentes em via de deposição, na América Latina de hoje, positivamente não é mais o que costumava ser. Melhor para ela e para todos, é claro.
21 de maio de 2016
J. R. Guzzo, Veja
Derrotas políticas nunca são boas, por mais esforço que haja nas tentativas de encontrar palavras de consolo ─ é comum ouvir que o personagem derrotado “caiu de pé”, por exemplo, ou que saiu “engrandecido”, ou que a sua derrota teve “sabor de vitória”, como se diz em jogos de futebol. Mas sempre é possível, no momento do fracasso, tornar as coisas ainda piores do que já são naturalmente. É o que está acontecendo com a presidente Dilma Rousseff, colocada na reta final da sua deposição pelas últimas decisões do Senado Federal no julgamento do impeachment. Depois de passar um ano inteiro, pelo menos, fazendo tudo o que podia para perder o cargo, ela faz agora tudo o que pode para liquidar qualquer possibilidade de simpatia em seu favor. Pôs para si própria o objetivo de apresentar-se como vítima; só consegue na prática, e cada vez mais, aparecer como uma perdedora mal-humorada, agressiva e carregada de rancor, despeito e soberba. Num dos momentos mais extraordinários na história moderna do país, transformou sua desgraça pública em espetáculo de pequenez.
Tudo de que Dilma precisa para manter-se na presidência da República é conseguir, nestes próximos 180 dias de suspensão do seu mandato, que 28 senadores não votem por sua condenação nos crimes de fraude contábil dos quais é acusada. São apenas 28 votos num total de 81, meta que até algum tempo atrás parecia coisa bem fácil ─ será que não arruma nem isso? Mas, por mais que a aritmética comum esteja do seu lado, ela agiu com tanta tenacidade pela própria destruição que o punhado de votos necessários à sua salvação se tornou uma soma imensa, que exige portentos de natureza desconhecida para ser alcançada hoje. A ópera não acaba até a senhora gorda cantar, diz a expressão coloquial criada nos tempos em que era permitida a presença nos palcos de sopranos com excesso de peso. O impeachment também não; só acabará na hora em que o plenário do Senado fizer a votação final. Mas ninguém é capaz nem sequer de imaginar que tipo de governo seria possível com Dilma de volta ao Palácio do Planalto ─ não numa situação em que a presidente da República tem contra si algo como 75% do Congresso, para não falar da população, o presidente da Câmara foi cassado da função, seu sucessor legal é uma nulidade encurralada pela Justiça penal e o presidente do Senado tem contra si uma cordilheira de doze inquéritos.
Seja como for, a derrota já contratada para o futuro próximo vai virando, pela atuação direta de Dilma, um drama de circo com qualidade cada dia mais baixa. Dilma culpa o impeachment pelo desemprego de 11 milhões de brasileiros arruinados pela recessão que o seu governo criou de 2014 para cá. Inventa acusações desligadas de qualquer fato real ─ como a de que o seu sucessor vai “cortar” o Bolsa Família de “36 milhões” de pessoas. Na última avaliação internacional do Brasil antes de ser afastada da presidência, foi humilhada com mais um rebaixamento de nota. A poucas horas da suspensão do seu mandato, ainda tentava armar chicanas para segurar o cargo ─ incluindo uma prodigiosa tentativa de anular a votação de 367 deputados que autorizou o Senado a julgar o impeachment. Fracassou, frequentemente sob um coro de risos, piadas e vaias, em tudo o que tentou. Queria aparecer como uma mulher de “coração valente”; conseguiu ser apenas incompreensível, e todo o seu esforço para aparentar resistência acabou reduzido a uma exibição miúda de neurastenia, insignificância e irresponsabilidade teimosa. Onde teria ido parar a gravidade dramática que pode dar, às vezes, um verniz de fato histórico sério a derrotas como essa? Não apareceu. Não vai aparecer.
Dilma Rousseff não é ajudada pelo fato de que não precisou, em nenhum momento desses episódios, praticar algum ato de coragem. Não é uma versão de Salvador Allende, de capacete, colete à prova de balas e metralhadora na mão, resistindo no Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile ─ não há ninguém atirando nela do lado de fora. Não precisou, como Perón na Argentina, refugiar-se numa canhoneira paraguaia para escapar à prisão ─ não há nenhuma tropa armada atrás de Dilma. Vai para os confortos do Palácio da Alvorada, onde viverá o futuro próximo com sustento garantido pelo Erário, cercada de advogados e livre para ir aonde bem entender. O futuro de presidentes em via de deposição, na América Latina de hoje, positivamente não é mais o que costumava ser. Melhor para ela e para todos, é claro.
21 de maio de 2016
J. R. Guzzo, Veja
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