As más notícias para o governo Dilma não param de vazar, oficialmente ou não. Depois de o dia ser dominado pelas revelações sobre a delação premiada dos dirigentes da Andrade Gutierrez, altamente tóxicas para a presidente, à noite o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a anulação da nomeação do ex-presidente Lula para a chefia da Casa Civil alegando "desvio de finalidade". Em meio a tenebrosas transações, o barco está à deriva.
Evoluindo de sua posição inicial, considerada estranha, agora Janot não admite que Lula fique no Ministério, mesmo sem foro privilegiado, como propusera anteriormente. Ao mesmo tempo, abre caminho para que a própria presidente Dilma seja processada por tentativa de obstrução da Justiça.
Paralelamente à realidade política, que se impacta com as revelações da Lava-Jato, há um trabalho subterrâneo para converter individualmente deputados que definirão o destino da presidente Dilma no plenário da Câmara. O governo pretende adiar o momento de decisão para ganhar mais tempo no aliciamento dos que ainda se dizem indecisos, e o calendário da Câmara e o do Supremo Tribunal Federal podem se cruzar.
A votação no plenário da Câmara está marcada inicialmente para o dia 17, um domingo, ou na segunda-feira seguinte. O ministro Gilmar Mendes colocou ontem em pauta a análise dos mandados de segurança contra a posse do ex-presidente Lula no Ministério, mas são necessários cinco dias úteis para que o assunto possa ir a plenário, o que impossibilita que a decisão do Supremo seja tomada antes da votação da Câmara.
Mas se o governo conseguir adiar a discussão com recursos protelatórios, a votação pode ficar para o feriado do dia 21, dia emblemático na História do país, possibilitando que o STF decida a situação de Lula no dia anterior, a quarta-feira 20.
A decisão sobre Lula é crucial, pois dará uma indicação ao baixo clero, assediado pelo governo, da expectativa de poder que o ex-presidente representa. Realizada a sessão do STF antes da votação do impeachment, ela pode fortalecer ou enfraquecer Lula, e o resultado impactará o voto dos indecisos.
Se o Supremo só analisar a questão depois da votação do impeachment no plenário, será ela que terá o poder influenciar a decisão dos ministros. Aprovado o impeachment na Câmara, provavelmente a nomeação do ex-presidente perderá seu poder de aglutinação.
Caso a presidente se safe do impeachment, no entanto, a presença de Lula no Ministério poderá ser de muita valia para uma tentativa de soerguimento do governo Dilma. Os ministros poderão sopesar todas essas variáveis na hora de decidir.
A existência de cerca de 120 deputados que se dizem indecisos ou se negam a revelar o voto, que será aberto, indica a dificuldade que o governo vem encontrando para montar uma maioria segura contra o impeachment.
Com todo o poder de compra que ainda lhe resta, e o trabalho clandestino de Lula, o governo não consegue chegar aos 171 votos de que necessita. Cada um dos lados depende de cerca de 60 desses votos para atingir a meta, e os que conhecem os bastidores da Câmara avaliam que as últimas 48 horas serão decisivas.
A delação premiada da cúpula da empreiteira Andrade Gutierrez, detalhando com planilhas o dinheiro que entrou na contabilidade do PT como se fosse legal, mas na verdade oriundo da propina de grandes obras, é o mais duro golpe recebido até agora por Dilma, pois confere veracidade a tudo que vem sendo dito por outras delações sobre a campanha de 2014.
O abuso de poder econômico, embora não esteja entre os motivos do impeachment, certamente será levado em conta na decisão dos deputados. E continuará servindo de prova para a anulação da votação da chapa presidencial Dilma-Temer no processo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A delação tem a capacidade de retirar do governo o argumento de que não existe nada que desabone a presidente Dilma na questão da honestidade. Financiada por dinheiro de propina, negociado por pessoas claramente ligadas a ela ou à sua campanha, como os ex-ministros Erenice Guerra e Antonio Palocci, o diretor da Eletrobras Valter Cardeal e o ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão, não é mais possível alegar-se que ela estava alheia a tudo o que acontecia à sua volta. Provavelmente por isso Dilma tenha demonstrado tanta irritação com as revelações.
08 de abril de 2016
Merval Pereira, O Globo
Evoluindo de sua posição inicial, considerada estranha, agora Janot não admite que Lula fique no Ministério, mesmo sem foro privilegiado, como propusera anteriormente. Ao mesmo tempo, abre caminho para que a própria presidente Dilma seja processada por tentativa de obstrução da Justiça.
Paralelamente à realidade política, que se impacta com as revelações da Lava-Jato, há um trabalho subterrâneo para converter individualmente deputados que definirão o destino da presidente Dilma no plenário da Câmara. O governo pretende adiar o momento de decisão para ganhar mais tempo no aliciamento dos que ainda se dizem indecisos, e o calendário da Câmara e o do Supremo Tribunal Federal podem se cruzar.
A votação no plenário da Câmara está marcada inicialmente para o dia 17, um domingo, ou na segunda-feira seguinte. O ministro Gilmar Mendes colocou ontem em pauta a análise dos mandados de segurança contra a posse do ex-presidente Lula no Ministério, mas são necessários cinco dias úteis para que o assunto possa ir a plenário, o que impossibilita que a decisão do Supremo seja tomada antes da votação da Câmara.
Mas se o governo conseguir adiar a discussão com recursos protelatórios, a votação pode ficar para o feriado do dia 21, dia emblemático na História do país, possibilitando que o STF decida a situação de Lula no dia anterior, a quarta-feira 20.
A decisão sobre Lula é crucial, pois dará uma indicação ao baixo clero, assediado pelo governo, da expectativa de poder que o ex-presidente representa. Realizada a sessão do STF antes da votação do impeachment, ela pode fortalecer ou enfraquecer Lula, e o resultado impactará o voto dos indecisos.
Se o Supremo só analisar a questão depois da votação do impeachment no plenário, será ela que terá o poder influenciar a decisão dos ministros. Aprovado o impeachment na Câmara, provavelmente a nomeação do ex-presidente perderá seu poder de aglutinação.
Caso a presidente se safe do impeachment, no entanto, a presença de Lula no Ministério poderá ser de muita valia para uma tentativa de soerguimento do governo Dilma. Os ministros poderão sopesar todas essas variáveis na hora de decidir.
A existência de cerca de 120 deputados que se dizem indecisos ou se negam a revelar o voto, que será aberto, indica a dificuldade que o governo vem encontrando para montar uma maioria segura contra o impeachment.
Com todo o poder de compra que ainda lhe resta, e o trabalho clandestino de Lula, o governo não consegue chegar aos 171 votos de que necessita. Cada um dos lados depende de cerca de 60 desses votos para atingir a meta, e os que conhecem os bastidores da Câmara avaliam que as últimas 48 horas serão decisivas.
A delação premiada da cúpula da empreiteira Andrade Gutierrez, detalhando com planilhas o dinheiro que entrou na contabilidade do PT como se fosse legal, mas na verdade oriundo da propina de grandes obras, é o mais duro golpe recebido até agora por Dilma, pois confere veracidade a tudo que vem sendo dito por outras delações sobre a campanha de 2014.
O abuso de poder econômico, embora não esteja entre os motivos do impeachment, certamente será levado em conta na decisão dos deputados. E continuará servindo de prova para a anulação da votação da chapa presidencial Dilma-Temer no processo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A delação tem a capacidade de retirar do governo o argumento de que não existe nada que desabone a presidente Dilma na questão da honestidade. Financiada por dinheiro de propina, negociado por pessoas claramente ligadas a ela ou à sua campanha, como os ex-ministros Erenice Guerra e Antonio Palocci, o diretor da Eletrobras Valter Cardeal e o ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão, não é mais possível alegar-se que ela estava alheia a tudo o que acontecia à sua volta. Provavelmente por isso Dilma tenha demonstrado tanta irritação com as revelações.
08 de abril de 2016
Merval Pereira, O Globo
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