Dia desses, o advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, garantia que Lula tinha plenas condições legais para assumir um ministério. Ocorre, explicava, que o ex-presidente é apenas investigado e, mesmo que tivesse sido condenado em primeira instância, ainda assim poderia ser nomeado. Só no caso de uma condenação em segunda instância, que dá cadeia, haveria restrição, concluiu Cardozo, comentando que o critério deve ser o mesmo da Lei da Ficha Limpa.
Tudo bem, portanto, do ponto de vista do estrito rigor da lei, como sempre observa o governo Dilma, tal foi a conclusão sugerida por Cardozo.
Mas, reparando bem, deveria haver pelo menos um embaraço moral, não é mesmo? Eis o caso não técnico: trata-se da nomeação de um ministro, mais do que isso, de um superministro para mandar no governo todo, que começa com a preliminar de saber se o indigitado pode ou não ser preso.
Mais, os crimes pelos quais Lula está sendo investigado teriam sido praticados no exercício do poder maior do país. A presidente vai recolocá-lo não no mesmo lugar, mas quase, ali por perto, com o papel de ser o tocador efetivo do governo.
Se já estivesse condenado, teríamos um condenado recolocado no local dos crimes, com novos poderes, inclusive com capacidade para atrapalhar investigações. Na hipótese mais benigna, já temos o investigado de volta à cena do crime.
Dirão: mas ele não foi condenado.
Ok, mas as investigações não se referem à compra de dois pedalinhos. A Lava-Jato, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal analisam e julgam o que já definiram como uma organização criminosa atuando para roubar a que era a maior companhia pública do país, a Petrobras.
Vamos falar francamente: já está claro, inclusive pelas confissões de agentes pessoalmente envolvidos e farta documentação, que houve o assalto aos cofres públicos, praticado largamente durante as gestões de Lula e de Dilma, na qual o ex-presidente manteve sólida influência. Vale para ele o que vale para ela: se sabiam de tudo, o que estavam fazendo lá?
Se não sabiam de nada, o que estavam fazendo lá?
Por aqui, Lula já é no mínimo responsável por má gestão. E Dilma está lhe devolvendo a gestão?
Dirão: ninguém pode ser considerado culpado antes do julgamento e da sentença.
Mas o próprio Lula, em depoimento à Polícia Federal, já disse como funcionava isso de nomear ministro no seu governo: a Casa Civil recebia as indicações políticas, passava o perfil do candidato para o crivo da Agência Brasileira de Informações e, dado o sinal verde, se prosseguia com a nomeação, pelo presidente.
O que Lula quis dizer: se nomeou um ladrão, a responsabilidade não é dele.
Será que a Abin tem a ficha de Lula? E se tem a ficha atualizada, imaginem a conversa do chefe da Abin com o ainda ministro-chefe da Casa Civil: parece que tem um probleminha aqui.
Não vai rolar, é claro, considerando que o próprio Lula vai chefiar a Casa Civil. E vai criar um outro problema de responsabilidade. Suponha, suponha, frisando, que se venha a descobrir que Lula não poderia ter sido ministro, pela prática de crimes anteriores incompatíveis com o exercício da função pública. Dilma poderia dizer: mas quem indicou?
Quem aprovou essa ficha?
Poderia?
Tudo isso para mostrar o absurdo da situação. Um governo muito perto de ser apanhado pela Lava-Jato chama como salvador o principal investigado na Lava-Jato.
E, além da função de salvar o governo do impeachment, Lula ainda tem o compromisso de recolocar a economia brasileira numa rota de crescimento.
Como? Com a volta de uma política aplicada no final do governo Lula e em toda a gestão Dilma, que levou o Brasil à pior recessão de sua história.
Tudo somado e subtraído, temos: a dobradinha Lula-Dilma, um investigado e uma já no radar da Lava-Jato, instalada no Palácio do Planalto, assessorada por outros envolvidos, para tirar o governo e o país dos desastres legais, morais e econômicos (o de jogar milhões no desemprego), que esse mesmo pessoal, na melhor das hipóteses, deixou acontecer.
Chance zero.
Mas, sabe como é, Brasília fica um pouco mais longe de Curitiba. E mais perto do STF, cuja reputação está cada vez mais sendo testada.
Isso está longe do fim. O que significa mais um, talvez dois anos de recessão. Não se pode imaginar desastre maior, nem um roteiro pior.
19 de março de 2016
carlos alberto sardenberg, O Globo
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