Depois de criminalizar a política, o PT tenta agora politizar o crime. Mais grave: faz isso sob o patrocínio da Presidência da República, ora em via de ser exercida por duas pessoas ao mesmo tempo.
Não bastasse a situação já ser por si suficientemente anômala sob qualquer ângulo que se examine, acrescenta-se a ela o fato de que o “presidente” nomeado pela presidente eleita é alvo de seis inquéritos no Ministério Público Federal, outro no MP do Distrito Federal e uma denúncia apresentada pelos procuradores de São Paulo. Luiz Inácio Lula da Silva passa à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, mas leva junto essa folha corrida para o Planalto.
Provavelmente, imaginando-se agora respaldada pela aludida “identificação” de Lula com o povo e pela determinação demonstrada por ele nas gravações divulgadas pelo juiz Sérgio Moro, de movimentar a máquina do Estado em sua defesa, a presidente Dilma Rousseff abandonou qualquer cautela inerente ao cargo para, durante a cerimônia de posse, criticar de maneira contundente os agentes da lei responsáveis pelas investigações em curso.
Ela o fez em tom inflamado, consoante ao ambiente misto de assembleia sindical e comício partidário que tomou conta do Palácio na posse de Lula. A ponto de saudar as dezenas de presentes como os “brasileiros de coragem que estão aqui nesta sala”. Por essa ótica, os milhares que estavam do lado de fora em vários pontos do País manifestando-se contra, seriam covardes.
Além de ter dado, com a nomeação de Lula, resposta oposta aos protestos de milhões de brasileiros no domingo, a presidente da República ainda desdenhou de todos ao falar à militância petista como se ela representasse a maioria – e não o contrário – convocando-a à reação. Poderá, e certamente irá, colher mais tempestades ao aderir à ofensiva agressiva proposta por Lula.
Dilma estendeu-se sobre o tema da legalidade ignorando a evidência de que é o governo quem está do lado sombrio da lei. Há a condição legal de Lula e, em decorrência do diálogo mantido com ele em uma das gravações, sobre o uso do termo de posse, há a possibilidade de ela ser alvo de investigação e de novos pedidos de impeachment.
Em palavras claras: o poder no Brasil está nas mãos de dois chefes com calcanhares de aquiles. Calcanhares estes expostos à caça de agentes da lei e do Congresso. Em sua já provada incapacidade de governar, que a levou à total fragilização, Dilma não teve opção; curvou-se às conveniências do momento acreditando que a entrada de Lula no governo seria um bote salva-vidas para ambos. Estava, como sempre, equivocada.
O problema maior, no entanto, não é o erro de avaliação. É a suposta solução ter sido urdida em ambiência de ilegalidades e impropriedades tão flagrantes que incentivou as pessoas a voltarem às ruas, desta vez para pedir explicitamente a renúncia de Dilma e a prisão de Lula.
O discurso de ontem da presidente não contribui para acalmar os ânimos. Por outra, inflama a indignação reinante na sociedade e incentiva a animosidade de seus defensores.
Boa coisa não poderá resultar daí. Queira o bom senso que o governo não esteja apostando no caos que gera violência e produz vítimas.
19 de março de 2016
Dora Kramer, Estadão
Não bastasse a situação já ser por si suficientemente anômala sob qualquer ângulo que se examine, acrescenta-se a ela o fato de que o “presidente” nomeado pela presidente eleita é alvo de seis inquéritos no Ministério Público Federal, outro no MP do Distrito Federal e uma denúncia apresentada pelos procuradores de São Paulo. Luiz Inácio Lula da Silva passa à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, mas leva junto essa folha corrida para o Planalto.
Provavelmente, imaginando-se agora respaldada pela aludida “identificação” de Lula com o povo e pela determinação demonstrada por ele nas gravações divulgadas pelo juiz Sérgio Moro, de movimentar a máquina do Estado em sua defesa, a presidente Dilma Rousseff abandonou qualquer cautela inerente ao cargo para, durante a cerimônia de posse, criticar de maneira contundente os agentes da lei responsáveis pelas investigações em curso.
Ela o fez em tom inflamado, consoante ao ambiente misto de assembleia sindical e comício partidário que tomou conta do Palácio na posse de Lula. A ponto de saudar as dezenas de presentes como os “brasileiros de coragem que estão aqui nesta sala”. Por essa ótica, os milhares que estavam do lado de fora em vários pontos do País manifestando-se contra, seriam covardes.
Além de ter dado, com a nomeação de Lula, resposta oposta aos protestos de milhões de brasileiros no domingo, a presidente da República ainda desdenhou de todos ao falar à militância petista como se ela representasse a maioria – e não o contrário – convocando-a à reação. Poderá, e certamente irá, colher mais tempestades ao aderir à ofensiva agressiva proposta por Lula.
Dilma estendeu-se sobre o tema da legalidade ignorando a evidência de que é o governo quem está do lado sombrio da lei. Há a condição legal de Lula e, em decorrência do diálogo mantido com ele em uma das gravações, sobre o uso do termo de posse, há a possibilidade de ela ser alvo de investigação e de novos pedidos de impeachment.
Em palavras claras: o poder no Brasil está nas mãos de dois chefes com calcanhares de aquiles. Calcanhares estes expostos à caça de agentes da lei e do Congresso. Em sua já provada incapacidade de governar, que a levou à total fragilização, Dilma não teve opção; curvou-se às conveniências do momento acreditando que a entrada de Lula no governo seria um bote salva-vidas para ambos. Estava, como sempre, equivocada.
O problema maior, no entanto, não é o erro de avaliação. É a suposta solução ter sido urdida em ambiência de ilegalidades e impropriedades tão flagrantes que incentivou as pessoas a voltarem às ruas, desta vez para pedir explicitamente a renúncia de Dilma e a prisão de Lula.
O discurso de ontem da presidente não contribui para acalmar os ânimos. Por outra, inflama a indignação reinante na sociedade e incentiva a animosidade de seus defensores.
Boa coisa não poderá resultar daí. Queira o bom senso que o governo não esteja apostando no caos que gera violência e produz vítimas.
19 de março de 2016
Dora Kramer, Estadão
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