É inacreditável, execrável e inaceitável a justificativa do ministro Teori Zavascki, ao responder à medida cautelar da Reclamação 23.457, ajuizada pela Advocacia-Geral da União contra o juiz federal Sérgio Moro. Apesar de o Supremo ter se transformado num tribunal atípico, que extrapola de suas limitações e até mesmo chega a legislar, conforme se constatou no julgamento do rito do impeachment presidencial, não se poderia esperar que o ministro-relator dos processos da operação Lava Jato pudesse chegar ao ponto de emitir uma decisão “ultra petita” (além do que foi pedido pelo reclamante).
“A esta altura, há de se reconhecer, são irreversíveis os efeitos práticos decorrentes da indevida divulgação das conversações telefônicas interceptadas. Ainda assim, cabe deferir o pedido no sentido de sustar imediatamente os efeitos futuros que ainda possam dela decorrer e, com isso, evitar ou minimizar os potencialmente nefastos efeitos jurídicos da divulgação, seja no que diz respeito ao comprometimento da validade da prova colhida, seja até mesmo quanto a eventuais consequências no plano da responsabilidade civil , disciplinar ou criminal” – diz o despacho de Zavascki.
Acontece que, na petição encaminhada ao Supremo, em nenhum momento a Advocacia-Geral da União aventou a possibilidade de processar o juiz Moro, seja civil, disciplinar ou criminalmente. Foi o ilustríssimo ministro Zavascki que se distraiu e teve esta brilhante ideia, sem lembrar que não deve fazer o trabalho dos advogados que representam as partes, pois sua incumbência de magistrado é estrita e restrita, limitando-se ao julgamento, sem sugerir a possibilidade de ações subsequentes.
PERDENDO A LINHA
Foi impressionante a contundência do eminente relator, ao agredir e vergastar o trabalho de um magistrado de escol, competente, corajoso e altivo, que tem defendido os interesses nacionais de forma exemplar.
Em sua decisão a favor da medida cautelar, Zavascki ataca o juiz Sérgio Moro de todas as formas, acusando-o até mesmo de ter autorizado “interceptações de um sem número de ramais telefônicos”, mas sem conseguir apontar nenhuma irregularidade que tivesse ocorrido nessas liberações judiciais.
Mais adiante, o relator opina que o juiz federal não tinha competência para analisar o conteúdo da conversas. Confiram: “Embora a interceptação telefônica tenha sido aparentemente voltada a pessoas que não ostentavam prerrogativa de foro por função, o conteúdo das conversas – cujo sigilo, ao que consta, foi levantado incontinenti, sem nenhuma das cautelas exigidas em lei – passou por análise que evidentemente não competia ao juízo reclamado”.
Esta colocação do ministro demonstra um rigor técnico juridicamente abominável. Por que dizer que as gravações estavam aparentemente voltadas para pessoas sem foro privilegiado? Ora, sabe-se que não foi autorizada gravação de nenhum político ou autoridade com foro privilegiado. Com isso, o relator mostrou estar agindo com excessiva e abusiva veemência.
Além disso, sua colocação equivocada dá a entender que o juiz Moro só poderia ter “analisado” conversas que envolvessem pessoas sem foro privilegiado e deveria descartar todas as demais gravações em que aparecem autoridades de foro privilegiado, vejam a que ponto chegou esta justificativa errônea e exagerada. Parodiando Ruy Barbosa, pode-se dizer que até as paredes do tribunal sabem que cabe ao juiz do processo analisar todas as provas colhidas no inquérito.
Ao proceder à análise, se encontrar provas contra pessoas de foro privilegiado, o juiz tem de encaminhá-las à instância superior. Aliás, foi exatamente o que Moro fez, ao enviar as transcrições ao Supremo, antes desta decisão precipitada de Zavascki.
Ao proceder à análise, se encontrar provas contra pessoas de foro privilegiado, o juiz tem de encaminhá-las à instância superior. Aliás, foi exatamente o que Moro fez, ao enviar as transcrições ao Supremo, antes desta decisão precipitada de Zavascki.
CAUTELAS EXIGIDAS EM LEI???
O pior, mesmo, foi o ministro ter denunciado que o juiz Moro levantou o sigilo “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”.
É claro que o relator deveria citar tais cautelas e a própria lei, mas não o fez, porque isso rigorosamente não existe.
A legislação que ele apenas sugere estar mencionando é Lei 9.269/1996, inteiramente omissa a este respeito, pois não há qualquer referência a cautelas quanto ao levantamento do sigilo.
Diante dessa lacuna legislativa, pode-se concluir, sem medo de errar, que o levantamento do sigilo ocorre quando a transcrição das gravações é anexada aos autos públicos, porque, como todos sabem e o ministro Zavascki não desconhece, a palavra “públicos” significa que esses processos são do povo, não têm mais sigilo e podem ser acessados e copiados por qualquer advogado, na forma da Lei 8.906.
Diante dessa lacuna legislativa, pode-se concluir, sem medo de errar, que o levantamento do sigilo ocorre quando a transcrição das gravações é anexada aos autos públicos, porque, como todos sabem e o ministro Zavascki não desconhece, a palavra “públicos” significa que esses processos são do povo, não têm mais sigilo e podem ser acessados e copiados por qualquer advogado, na forma da Lei 8.906.
PROCESSAR O JUIZ MORO?
Quanto à estapafúrdica afirmação de Zavascki, aventando a possibilidade de Dilma Rousseff responsabilizar penal, civil e administrativamente o juiz Moro e pedir indenização por dano moral (responsabilidade civil), convém repetir o que disse o jurista Jorge Béja, considerado a maior autoridade brasileira neste ramo do Direito:
“Isso não existe. A responsabilização civil, penal e administrativa de um juiz só ocorre se ficar provado que ele agiu com dolo e má-fé. Não é caso. Quanto à responsabilidade civil, vislumbrada por Zavascki, que não tinha nada a se meter nisso, esta tem de ser cobrada da União, por se tratar de um magistrado federal”, disse Béja, colocando uma pá de cal na questão.
Bem, já sabemos a opinião de Teori Zavascki e Marco Aurélio Mello, ambos são contra o juiz Sérgio Moro, e a posição de Gilmar Mendes, a favor. Faltam os outros nove ministros. E como dizia o genial publicitário e compositor Miguel Gustavo, meu vizinho no Edifício Zacatecas, o suspense é de matar o Hitchcock.
24 de março de 2016
Carlos Newton
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