Nos 3.000 quilômetros de navegação fluvial, recolhiam pedras e especialmente couro de alta qualidade, produzido por colonos às margens do rio. Itacarambi e Januária eram paradas obrigatórias, São João das Missões, Mocambinhos e outras cidades nasceram nesse ciclo.
A região de Minas inicialmente era conhecida como Bahia, mas as riquezas minerais e a abundância e variedade não tardaram a dar-lhe o nome apropriado.
O RIO DOS MINERAIS
O Doce do rio se deve em parte às frutas tropicais encontradas a suas margens e ainda à tranquila navegação que dispensava. Pelo rio Doce desceu o mineral que fez de Lisboa uma das cidades opulentas da Europa nos séculos XVII e XVIII.
Chegamos aos nossos dias e até a decisão de figuras eméritas que direcionam os destinos da Vale, até riscar de sua razão social o Rio Doce; certamente não imaginavam que depois de apenas alguns anos suas operações extrativas conseguiriam riscar do mapa socioeconômico do Brasil o rio por inteiro. De Doce ficou vermelho de vergonha e morreu coberto de lama imprestável.
O conselho da Vale, cancelando o nome de Rio Doce, tirava de si a última razão de manter centros mais sérios de decisões em Minas. Onde nasceu e se fez gigante.
A empresa voltou ao status de colônia distante, passou a representar a preocupação com números e balanços, sem maior afetividade e laços com o seu berço.
A VALE QUE JÁ FOI DOCE
A Vale notadamente não participa da vida cultural, social, artística de Minas. Nem adianta procurá-la. Refratária e distante aos apelos da comunidade.
Em Itabira, onde possui a sua mais rica mina depois daquela de Marina – dividida estrategicamente com o maior concorrente mundial, a australiana BHP –, se estabeleceu o maior número de suicídios do Estado nas últimas décadas.
Por que razão? Disse-me um vidente que de lá saem milhares de vagões de minério semanalmente com destino ao resto do mundo. Sabe-se que junto com o minério, altamente magnético, esvai-se o magnetismo do local. Trata-se de uma sangria de energia fluídica.
Talvez não seja bem isso, mas quem passa por cidades como Mariana e Itabira respira o abandono, a degradação urbanística, o cheiro da vampirizarão. Antigamente as afortunadas pessoas que exploravam as riquezas da região retribuíam com obras de arte, cuidava-se do aspecto exterior, bem disso o patrimônio mantém empregos no turismo.
SEM COMPENSAÇÕES
Nas últimas décadas, com Minas reduzida a número frio, poucas foram as medidas compensatórias, nem tanto no aporte de recursos, mas na qualidade, no apreço com a população, com a história e seu meio ambiente. Apenas preocupação de extrair num ritmo frenético milhões de toneladas a cada ano. E deixar para trás um ambiente lunar.
Os grandes extrativistas, como os xeiques dos Emirados Árabes, disputam em obras colossais a forma de aproveitar do momento de fartura. Superam-se em investimentos urbanísticos e artísticos, até excessivos, de qualquer forma investem expressivamente no local de onde retiram suas fortunas. Quer dizer, preocupação, retribuição, sensibilidade que faltam à Vale.
Poderia, depois de tantos anos de lucro, mas nada foi atraído na região para transformar, fomentar e desenvolver um ambiente tecnológico de oportunidades.
FALTA DE APREÇO AO LOCAL
Provavelmente, por essa falta de apreço com o local, deu-se o erro terrível. Subestimar os riscos.
Neste momento não se trata de aplicar multas que engordarão oportunistas que ainda devem prestar contas das centenas de milhões já recebidas, que evaporaram aos seus cuidados. A proposta também não pode ser a de fechar as portas da Samarco. Precisa voltar a operar e garantir os empregos e ter uma contenção compatível com o risco e os lucros da operação.
Ser obrigada para os próximos dez anos, ou 20 anos, a destinar grande parcela dos lucros das minas de Mariana para um fundo que devolva a vida onde, por causa dela, acabou.
06 de dezembro de 2015
Vittorio Medioli
O Tempo
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