Em período de ajuste fiscal, o alto escalão do poder público e mesmo servidores comuns continuam recebendo salários elevados e gozando de benefícios que o trabalhador do setor privado não recebe. Auxílio-moradia, auxílio-creche, auxílio-funeral: são privilégios que elevam os salários e aumentam ainda mais o contraste, principalmente considerando-se que 82,6% dos brasileiros ganham de um a três salários mínimos.
Para especialistas, as regalias pagas à cúpula do poder público são heranças patrimonialistas de Portugal e do “ranço cultural” deixado por 373 anos de escravidão. “Quem tem o poder tende a abusar dele”.
É com a citação do filósofo francês Barão de Montesquieu que o cientista político e historiador da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Antônio Marcelo Jackson resume o fato de a elite do setor público ter acesso a benesses exclusivas.
É com a citação do filósofo francês Barão de Montesquieu que o cientista político e historiador da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Antônio Marcelo Jackson resume o fato de a elite do setor público ter acesso a benesses exclusivas.
Vide o salário de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de deputados federais e de senadores, que bate no teto constitucional de R$ 33.763, e também os oito tipos de auxílios que os servidores do Judiciário e do Legislativo federais recebem.
UM SUBALTERNO
Para Jackson, o trabalhador comum é tratado como “um simples subalterno”. “Nós tivemos 400 anos de escravidão no Brasil. Ou seja, o subalterno é tratado como se não tivesse direitos. É a visão de senzala. Por outro lado, temos a casa -grande.
Quem está no poder cria e fiscaliza seus próprios benefícios. Como magistrados que recebem uma série de auxílios, e eles mesmos são responsáveis por sua fiscalização. Como disse Montesquieu, quem tem poder tende a abusar dele. É da natureza humana”, argumentou o especialista.
Quem está no poder cria e fiscaliza seus próprios benefícios. Como magistrados que recebem uma série de auxílios, e eles mesmos são responsáveis por sua fiscalização. Como disse Montesquieu, quem tem poder tende a abusar dele. É da natureza humana”, argumentou o especialista.
O ex-procurador de Justiça Rio Grande do Sul e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Lenio Luiz Streck analisa que a diferença de direitos entre o trabalhador comum e a cúpula do poder público tem “DNA dos colonizadores portugueses”. “Em 1808, quando a família real portuguesa chegou ao Brasil, várias pessoas foram despejadas de suas propriedades para que os imóveis fossem usados pelos servidores do governo. Temos aqui os donos do poder, que formam castas e se protegem. No Brasil, as autoridades tomam posse. Então o poder tem dono”.
Streck cita que o imaginário coletivo das “castas do poder público” ainda utiliza palavras que remetem à ideia de realeza. “Os deputados se chamam de ‘nobres colegas’. Os tribunais são chamados de Cortes. Mostra que os plebeus ficam do lado de fora”.
QUESTÃO MORAL
Para o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Mário Lúcio Quintão, apesar de os penduricalhos terem sido criados por leis, eles podem ser moralmente questionados. “Alguns penduricalhos, como auxilio-moradia, são especificados em leis que estão em vigência há muito tempo. Vários órgãos questionam o pagamento deles. O ideal é que todos os trabalhadores tivessem esses direitos. Cabe questionamento moral nesse tema. Ainda mais em um período em que estamos passando por arrocho salarial dos trabalhadores”.
O secretário geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, acredita ser melhor cortar as regalias desnecessárias. “No início do ano, os salários das cúpulas dos Três Poderes subiram. Se era pra fazer ajuste, não seria melhor segurar o aumento? Acho que existem inúmeros privilégios que deveriam ser cortados”, enfatizou.
Para Marcelo Jackson, a sociedade civil precisa se organizar para combater as regalias do poder público. “Quando pressionados, eles lembram que são representantes, não donos do poder”.
(artigo enviado pelo comentarista Wilson Baptista Jr.)
11 de outubro de 2015
Guilherme Reis
O Tempo
11 de outubro de 2015
Guilherme Reis
O Tempo
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