Vargas também foi preso nesta sexta, junto com seu irmão Leon e o ex-deputado Luís Argôlo. Hoffmann é personagem mítico em Brasília. Gaúcho natural de Cachoeira do Sul, mudou-se para Curitiba no fim dos anos 1970, onde trabalhou como jornalista freelancer antes de dar uma guinada na carreira para o ramo publicitário. Começou como redator de agências de publicidade do Paraná e, devido à facilidade em transitar entre os clientes, passou para a área de atendimento - onde aprendeu os meandros das licitações públicas de empresas estaduais.
O talento peculiar em se relacionar com governos lhe rendeu o cargo de diretor da agência catarinense Máster em sua filial de Brasília, para onde se mudou em 1994. Não demorou muito para que, instalado na capital federal, o publicitário se tornasse referência para quem que quisesse angariar contratos com órgãos públicos. "Ele era especialista em combinar contatos políticos com bons resultados em licitações. Agia, sobretudo, nos bastidores", afirma o sócio de uma agência em Brasília que preferiu não ter sua identidade revelada.
Nos anos que separaram sua chegada à capital de sua entrada na Borghi Lowe (à época, o nome era Borghierh Lowe), Hoffmann foi executivo de diversas agências, como a DM9, a Newcomm e a Fischer. Também partiu para o marketing político ao assessorar o ex-governador paranaense Roberto Requião (PMDB) em duas eleições. Em 2007, um ano depois de a multinacional Lowe comprar a pequena agência Borghierh, o publicitário foi indicado pela diretoria da Lowe para assumir a chefia do escritório de Brasília. Entre 2008 e 2009, a agência passou do 14º para o 4º lugar em faturamento e o número de clientes saltou de 12 para 25. Um deles, em especial, trazia consigo um contrato de 260 milhões de reais: a Caixa.
Na briga ferrenha das agências responsáveis pelo atendimento do banco público, sempre causou estranheza que Hoffmann conseguisse sempre as melhores campanhas - entenda-se, as mais polpudas - como as da Loteria, consideradas o 'filet mignon' da Caixa porque são constantes e veiculadas nacionalmente. Executivos de agências concorrentes, que ainda guardam certo ranço do talento de Hoffmann em conseguir contratos, contam que a avaliação para escolher a agência nem sempre era o menor preço. Dizem que havia "critérios subjetivos" da comissão de seleção do banco.
A competência técnica de Hoffman, tudo indica, estava longe de ser seu principal atrativo. O Ministério Público Federal (MPF) apurou que, em troca de um bom cliente, a agência se dispunha a ajudar seus benfeitores valendo-se de artifícios ilegais, como a lavagem de dinheiro. Segundo a decisão do juiz Sergio Moro, a Borghi Lowe solicitava a empresas subcontratadas que realizassem pagamentos vultosos sem contrapartida de serviços. Tais repasses eram feitos às firmas LSI e Limiar, controladas pelos irmãos Vargas. "Os fatos caracterizam, em princípio, crimes de corrupção, com comissões devidas à Borghi Lowe sendo direcionadas como propinas e sem causa lícita a André Vargas e aos irmãos deste por intermédio do estratagema fraudulento", afirmou o juiz.
Hoffmann é apontado como 'apadrinhado' de Vargas. Coincidentemente, o Superintendente de Marketing da Caixa, o petista Clauir Luiz Santos, também nutre laços com o ex-deputado preso. Um executivo do mercado publicitário disse, com certo ar de estupefação, que Hoffmann conseguia fazer Vargas, quando era vice-presidente da Câmara dos Deputados, defender pessoalmente seus interesses e interferir em licitações.
Depois de abocanhar a conta da Caixa, a agência levou o Ministério da Saúde - outro feudo de Vargas -, a Apex-Brasil e, mais recentemente, a BR Distribuidora e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Os contratos publicitários da Borghi Lowe com a Caixa ganharam musculatura: dos 260 milhões de reais em 2008 passaram a 1 bilhão de reais em 2013. Hoffmann deixou a agência no final do ano passado, quando as investigações da Lava Jato estavam adiantadas e empreiteiros eram conduzidos à carceragem da PF, em Curitiba. Michael Wall, CEO da Lowe and Partners,holding que controla a agência brasileira, disse ao site de VEJA que o grupo foi notificado nesta sexta sobre a investigação. "Nós estamos trabalhando em conjunto com a Borghi Lowe enquanto cooperamos com as investigações, e continuaremos a cooperar juntos", afirmou.
Coração petista - Apesar de viver em Brasília, Hoffmann mantinha laços saudosos com sua cidade-natal. Entre 2009 e 2011, escreveu uma coluna no Jornal do Povo, principal veículo de comunicação de Cachoeira do Sul. Nas páginas do diário, publicava crônicas curiosas de seu cotidiano, como a que descreve seu primeiro encontro com Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata à Presidência. "Estar com a ministra Dilma Rousseff, ver de perto um verdadeiro exemplo de luta contra o câncer, comprovar que ainda existe gente bem-intencionada nesse país, constatar que o Brasil avança, se moderniza, se torna menos desigual e que poderá, sim, pela primeira vez, ter uma mulher na presidência da República foi o melhor presente que eu poderia ganhar no meu aniversário", escreveu.
Hoffmann é figura conhecida na cidade, que amanheceu espantada com a notícia de sua prisão. A revelação de seu envolvimento com o maior escândalo de corrupção no país contrastou ferozmente com sua imagem de filantropo. Desde a morte de sua mãe, a parteira Dora Hoffmann, o publicitário se tornou doador de diversas obras sociais do município. Em 2008, ele chegou a devolver o carro que ganhou em uma rifa organizada pelo asilo com o qual contribuía mensalmente. Disse que não precisava do veículo.
Se ele falar - O publicitário deve ficar preso por cinco dias na carceragem da PF. Pessoas de seu convívio profissional o caracterizam como 'briguento' e 'truculento'. Em seus 20 anos em Brasília, passaram por suas mãos ao menos uma dezena de clientes do governo - entre eles, o Banco do Brasil. Isso faz do executivo uma espécie de Ricardo Pessoa do mercado publicitário. Pessoa, dono da construtora UTC, é considerado a chave dos segredos mais sórdidos envolvendo o petrolão e os desvios de dinheiro da Petrobras para partidos políticos. Está preso na Penitenciária Estadual do Paraná e ainda não assinou acordo de delação premiada. Se o fizer, Brasília pode se tornar um barril de pólvora.
Avesso aos holofotes, Hoffmann sempre preferiu a sombra. Diferentemente dos diretores de criação de agências, cujo ego muitas vezes transborda os limites da autopromoção, ele só ia a eventos se a necessidade fosse urgente. Na articulação política, porém, agia com extrema desenvoltura. "Ele não é o típico cara que vai para o Festival de Cannes. Ao que parece, ele é agora o que vai em cana', ironizou o sócio de uma grande agência que o conhecia no âmbito profissional. Segundo esse publicitário, o setor temia que, cedo ou tarde, as gestões de Hoffmann na Caixa dessem errado. A preocupação da classe, diz ele, é que o estigma de corrupção seja atrelado a todas as agências que prestam serviços para o governo.
12 de abril de 2015
in coroneLeaks
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