O argumento de que Cuba é economicamente um 'must' não pode ser levado a sério; o potencial é irrisório
Nos últimos 12 anos, o Brasil apostou numa América Latina de "duas velocidades". Colocou fichas na coalizão de regimes mais à esquerda. Privilegiamos o eixo "socialista-bolivariano", baseado na onipresença do Estado na vida econômica e numa xenofobia seletiva centrada nos EUA. Venezuela, Bolívia, Equador e de alguma forma a Argentina integram esse grupo.
Com a normalização de relações com seu grande vizinho, Cuba, epicentro histórico de tal agrupamento, voltará a ter em Washington, não Brasília ou Caracas, sua referência geoeconômica.
Da perspectiva diplomática, iniciativas apoiadas pelo Brasil na cooperação hemisférica sem a participação dos EUA, como Unasul e a Celac, perdem força.
Há outra América Latina em movimento. A Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru) não é um bloco em si, mas plataforma para interação com outras áreas, até o Mercosul. Negociam parcerias que envolvem também EUA, Japão e outros países da Ásia-Pacífico.
Nessa formação da América Latina de duas velocidades, o Brasil é uma espécie de Hamlet --aprisionado no dilema do "ser ou não ser".
Do lado do "ser", o empresariado industrial, historicamente refratário à liberalização comercial, está mudando. A CNI já se disse aberta a acordos com os EUA.
Do outro, o "não ser", alguns acham que o Brasil deve evitar tratativas hemisféricas em que os EUA estejam presentes. Partidários desse "não ser" estão ávidos por demonstrar que nossa inserção internacional da última década não é um retumbante fracasso.
Próceres da política externa recente fazem ver que nos generosos gestos a Havana havia embutida "visão estratégica". Com perspectivas que agora se abrem para Cuba, o Brasil "sairia na frente".
A economia não é --e tampouco deve ser-- único vetor da diplomacia. O tema da solidariedade, por exemplo, é muito importante. No entanto, o argumento de que Cuba é economicamente um "must" não pode ser levado a sério.
O potencial de cooperação econômica com Cuba é irrisório. Seu PIB é de US$ 65 bilhões. O comércio Cuba-Brasil é de US$ 600 milhões. Apenas em 2013 os brasileiros gastaram em Miami US$ 1,6 bilhão.
Cuba não é a fonte de investimentos de que o Brasil tanto precisa. Não há parceria de escala relevante para nossas dimensões.
O porto de Mariel, suposto "golaço" de nossa política externa, não é um investimento. Obras ali empreendidas por companhias brasileiras financiaram-se pelo governo brasileiro. Trata-se de apoio à exportação de serviços. Não será o Brasil ou qualquer empresa brasileira que operará Mariel, mas uma companhia de Cingapura.
Não há facilidade no futuro do porto apenas por que empresas brasileiras ajudaram a construí-lo. O aeroporto de Miami também contou com participação de construtoras brasileiras --nem por isso abrem-se oportunidades especiais para o Brasil. Para a vertente latino-americana de nossa aposta terceiro-mundista, a nova Cuba não é uma "bola dentro", mas uma "bola nas costas".
Nos últimos 12 anos, o Brasil apostou numa América Latina de "duas velocidades". Colocou fichas na coalizão de regimes mais à esquerda. Privilegiamos o eixo "socialista-bolivariano", baseado na onipresença do Estado na vida econômica e numa xenofobia seletiva centrada nos EUA. Venezuela, Bolívia, Equador e de alguma forma a Argentina integram esse grupo.
Com a normalização de relações com seu grande vizinho, Cuba, epicentro histórico de tal agrupamento, voltará a ter em Washington, não Brasília ou Caracas, sua referência geoeconômica.
Da perspectiva diplomática, iniciativas apoiadas pelo Brasil na cooperação hemisférica sem a participação dos EUA, como Unasul e a Celac, perdem força.
Há outra América Latina em movimento. A Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru) não é um bloco em si, mas plataforma para interação com outras áreas, até o Mercosul. Negociam parcerias que envolvem também EUA, Japão e outros países da Ásia-Pacífico.
Nessa formação da América Latina de duas velocidades, o Brasil é uma espécie de Hamlet --aprisionado no dilema do "ser ou não ser".
Do lado do "ser", o empresariado industrial, historicamente refratário à liberalização comercial, está mudando. A CNI já se disse aberta a acordos com os EUA.
Do outro, o "não ser", alguns acham que o Brasil deve evitar tratativas hemisféricas em que os EUA estejam presentes. Partidários desse "não ser" estão ávidos por demonstrar que nossa inserção internacional da última década não é um retumbante fracasso.
Próceres da política externa recente fazem ver que nos generosos gestos a Havana havia embutida "visão estratégica". Com perspectivas que agora se abrem para Cuba, o Brasil "sairia na frente".
A economia não é --e tampouco deve ser-- único vetor da diplomacia. O tema da solidariedade, por exemplo, é muito importante. No entanto, o argumento de que Cuba é economicamente um "must" não pode ser levado a sério.
O potencial de cooperação econômica com Cuba é irrisório. Seu PIB é de US$ 65 bilhões. O comércio Cuba-Brasil é de US$ 600 milhões. Apenas em 2013 os brasileiros gastaram em Miami US$ 1,6 bilhão.
Cuba não é a fonte de investimentos de que o Brasil tanto precisa. Não há parceria de escala relevante para nossas dimensões.
O porto de Mariel, suposto "golaço" de nossa política externa, não é um investimento. Obras ali empreendidas por companhias brasileiras financiaram-se pelo governo brasileiro. Trata-se de apoio à exportação de serviços. Não será o Brasil ou qualquer empresa brasileira que operará Mariel, mas uma companhia de Cingapura.
Não há facilidade no futuro do porto apenas por que empresas brasileiras ajudaram a construí-lo. O aeroporto de Miami também contou com participação de construtoras brasileiras --nem por isso abrem-se oportunidades especiais para o Brasil. Para a vertente latino-americana de nossa aposta terceiro-mundista, a nova Cuba não é uma "bola dentro", mas uma "bola nas costas".
29 de dezembro de 2014
Marcos Troyjo, Folha de SP
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