Tão importante quanto os auxiliares escolhidos por Dilma para sua promessa heroica de fazer um ajuste indolor é a escolha a ser feita para o Ministério de Minas e Energia, que terá de administrar uma das mais sérias ameaças ao desempenho econômico nos próximos meses. A seca de proporções históricas, que já pune a falta de planejamento em São Paulo com torneiras vazias, também ameaça a produção de alimentos e o funcionamento da indústria. Administrar seus efeitos, especialmente, no setor de energia elétrica não é para amadores.
O Ministério de Minas e Energia, sempre cobiçado e loteado no balcão da coalizão política já exigiu, no passado, uma intervenção branca, quando o engenheiro e chefe da Casa Civil Pedro Parente assumiu a Câmara de Gestão da Crise de Energia para lidar com o apagão de 2001, com poderes sobre a burocracia do setor e dedicação em tempo integral à encrenca criada por falta de planejamento e investimentos. A crise atual não é comparável, até pelas mudanças na estrutura do setor; mas exige mais gestão do que foi mostrado até agora.
O crescimento de dívidas relacionadas aos descompassos financeiros no setor elétrico e os dilemas a serem resolvidos para garantir o abastecimento no próximo ano exigem alguém com profundo conhecimento do setor, mas também forte credibilidade e capacidade de negociar com os diversos agentes.
"A decisão de deixar o ministério nas mãos do PMDB e indicar um senador que nada entendia do assunto criou desgovernança", afirma o professor Nivalde de Castro, do Gesel, grupo de estudos do setor elétrico da UFRJ. Castro não pertence ao time dos críticos obstinados do governo, mas é severo ao avaliar as consequências de incluir no rateio partidário o ministério responsável pelo planejamento e gestão do setor elétrico.
Há uma coleção de problemas à espera, e o governo terá de dispor de um negociador com autoridade ministerial capaz de arbitrar perdas entre as empresas que operam no setor, alerta.
As termelétricas andam operando à toda para cobrir o déficit de energia, mas não têm razões para comemorar: algumas atrasaram seu funcionamento; outras, por serem acionadas, desde 2012, muito mais intensamente do que o planejado antes da seca, um número grande dessas usinas tem sido obrigado a parar para manutenção ou enfrenta dificuldades de operação que não previam. Ficam impedidas de fornecer o que prometeram, gerando multas e obrigações que comprometem sua viabilidade financeira, explica Castro.
O custo da energia das termelétricas e a forte demanda das distribuidoras que não tinham contratos suficientes com as geradoras de energia para atender aos clientes elevou o preço do mercado de curto prazo, o chamado PLD, ao teto máximo legal, de US$ 822,83 por megawatt/hora. Esse valor tem desequilibrado os balanços de geradoras (obrigadas a ir ao mercado por não ter energia própria suficiente para cumprir contratos) e distribuidoras (também obrigadas a comprar no mercado de curto prazo por não ter fornecimento garantido em contrato).
Parte desse desequilíbrio foi criado com as mudanças nos contratos de concessão realizadas pelo governo em 2013 para reduzir a tarifa. Com os aumentos de custo da energia, especialmente devido à seca inesperada, o governo foi obrigado a um exercício de engenharia financeira envolvendo empréstimos e subsídios ao setor, que criaram uma montanha crescente de obrigações a serem pagas, no futuro, por empresas do setor e usuários.
A Aneel tomou uma primeira medida, ao propor, em consulta pública, o corte, à metade, do teto para os preços no curto prazo, de R$ 822,83 para R$ 388,04. "Reduz a febre, mas não acaba com a infecção", aprova Castro, que atribui à seca a maior responsabilidade pela encrenca no setor. Outros especialistas questionam esse valor, temem conflitos judiciais e culpam a intervenção precipitada do governo pelos problemas. Qualquer que seja a razão, será necessário um especialista com profundo conhecimento e jogo de cintura para negociar perdas e ganhos e evitar um colapso entre oferta e demanda de energia no país.
E persistem os efeitos da seca. A fé em São Pedro, a quem o folclore atribui o controle das chuvas, incorporou-se definitivamente ao modelo gerencial brasileiro. Não funcionou para evitar o racionamento de água em São Paulo, mas o governo federal parece disposto a seguir de mãos postas à espera da divina providência das chuvas mais constantes, que ainda não vieram.
Com os reservatórios batendo recordes de baixa, seria recomendável que o país já estivesse assistindo a uma gigantesca e onipresente campanha pela racionalização do uso da água e da energia- medida, aliás, que deveria deixar de ser considerada emergencial para se tornar perene.
Os governos, locais ou federais têm o curioso hábito de preferir obras colossais e financiamentos onerosos a medidas de combate ao desperdício. Esperar que a crise se torne aguda é pedir para que ela seja encharcada pela retórica político-partidária. É desidratar sem remédio a discussão pragmática das soluções para o setor. Água e energia, dois insumos vitais, não podem ser rifados na mesa onde, presumivelmente, negocia-se a governabilidade no próximo mandato.
12 de novembro de 2014
Sérgio Leo, Valor Econômico
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